Lista faz referência ao Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica, comemorado nesta quinta-feira (27)

Cena de “Garota Negra” (Black Girl), de Ousmane Sembène. Foto: Divulgação

Por Carolina Martins

Aproveitando este 27 de abril, em que é celebrado o Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica, listamos filmes que trazem essas profissionais como protagonistas. É uma forma de homenagear as mulheres que compõem uma força de trabalho essencial, mas que ainda sofrem com preconceito e desprestígio.

Todos os longas desta lista dão destaque às histórias delas, e são títulos fora do eixo hollywoodiano-europeu de produção. Trazem linguagens diferentes das que estamos acostumados, mas que valem muito a pena assistir. E o melhor: estão disponíveis de graça e online!

“Garota Negra” (Black Girl)

Um filme que pode ser considerado um clássico do cinema mundial, apesar de pouco celebrado na cultura ocidental. Lançado em 1966, é o primeiro longa dirigido pelo senegalês Ousmane Sembène, conhecido como “pai do cinema africano”. Produtor e também escritor, antes de ser cineasta, trabalhou como pescador, mecânico e pedreiro.

O filme é inspirado em um conto escrito por Sembène, baseado em fatos reais. A história foi publicada em 1962, no livro de autoria dele “Voltaïque”. Conta a trajetória de Diouana,  uma senegalesa que vai trabalhar na casa de uma família na França. A esperança era sair de uma situação de vulnerabilidade, cuidar dos filhos dos patrões e viver o sonho europeu. Mas, com o passar dos dias, ela se dá conta das reais condições de trabalho: herdou todas as tarefas domésticas da casa e não conhece nada além do supermercado de uma esquina, em Paris.

Vaidosa e sempre muito bem arrumada, as roupas também começam a incomodar a “madame” – e é assim mesmo que a patroa é chamada, em nenhum momento sabemos o nome dela. Nem o do marido, tratado como “monsieur”.

Filmado em preto e branco e falado na língua francesa, a produção chama a atenção pelo simbolismo das cenas, que privilegia os detalhes e dá ênfase à interlocução de Diouana com os próprios pensamentos e lembranças. A trama tem uma reviravolta, mas aqui não trabalhamos com spoilers. Vale a pena assistir!

“Garota Negra” venceu os prêmios de melhor filme africano do Festival Mundial de Artes Negras de Dakar (1966) e o Tanit de Ouro do Festival Internacional de Carthage (1966). O filme está disponível no MUBI (streaming) e de graça no YouTube.

“Doméstica”

Para contar a história de sete trabalhadoras domésticas brasileiras, o diretor do documentário, Gabriel Mascaro (“Boi Neon”), entregou a câmera aos filhos dos patrões. De classes sociais distintas e também de cidades diferentes (Manaus, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Brasília), os adolescentes filmam a rotina das pessoas que sempre são apresentadas como sendo “praticamente da família”.

Mas, ao longo das narrativas, é possível perceber, por meio de sutilezas e subtextos, que a realidade é bem outra: todos moram na casa dos empregadores, nas quais a relação de poder e os papéis estão muito bem demarcados, seja pelo uso do uniforme, pelo cômodo da casa onde dormem e até pelo desconforto da relação, flagrado pela câmera.

Durante os 75 minutos do documentário, é possível se emocionar com as histórias de Dilma, Flávia, Helena, Lucimar, Maria das Graças, Sérgio e Vanuza. Há estranhamentos também, intencionais. Algumas perguntas ficam no ar. Mas todas elas demonstram gratidão enquanto contam histórias de traumas familiares, trabalho infantil, violência doméstica ou pobreza extrema que as levaram à profissão.

O mérito do filme é expor como o caráter de servidão, herança de quatro séculos de escravização no Brasil, misturado com carinho e amizade, ainda marcam as delicadas relações entre empregadores e trabalhadoras domésticas no país.

O documentário “Doméstica” foi lançado em 2012, um ano antes da aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que garantiu à categoria os mesmos direitos dos demais trabalhadores. No entanto, de lá para cá, o cenário, na prática, mudou pouco. O filme está disponível de graça no YouTube.

“O Cheiro de Papaia Verde”

Dirigido pelo cineasta vietnamita Tran Anh Hung, o longa faz uma narrativa poética (e romantizada) da história de Mui, uma camponesa que ainda criança vai trabalhar como empregada na casa de uma família tradicional do Vietnã. O filme foi lançado em 1993, mas se passa em 1951.

Num contexto que subjuga mulheres, o filme acompanha a infância e juventude de Mui. Durante essa trajetória, histórias distintas de submissão são demonstradas, em três diferentes gerações: a viúva enlutada que passa os dias meditando, a esposa traída que sustenta a casa e é responsabilizada pela infidelidade do marido, e a jovem “moderna” que rompe com os padrões da época, mas também não se vê bem sucedida no amor.

De uma classe diferente, Mui apenas assiste, silenciosa e resiliente, todas essas histórias. Cresce trabalhando numa casa em que ganha a simpatia por ser parecida com a filha dos patrões, morta anos antes. Após uma crise financeira na família, já na juventude, ela é recomendada a outro lar, dessa vez a casa de um jovem compositor, por quem ela se apaixona. Durante esse percurso, todos os limites das relações são nebulosos.

O filme é bonito, marcado por muitos planos sequências: a câmera passeia e nos leva a conhecer os personagens e a rotina das famílias por entre os cômodos da casa. O tilintar de grilos e o coaxar de sapos compõem a montagem e dão destaque para o uso do plano detalhe, também muito bem explorado.

O flerte com a gastronomia é outro ponto que chama atenção. O título, por exemplo, se faz entender logo no início, quando acompanhamos o preparo de uma salada de papaia verde – desde colher a fruta no pé, até a forma de servir e comer o prato. São 104 minutos de pouquíssimos diálogos, mas que revelam bastante sobre a cultura vietnamita.

“O Cheiro de Papaia Verde” ganhou o Prêmio da Juventude, o Prêmio Câmera de Ouro do Festival de Cannes (1993) e foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1994). Está disponível de graça no YouTube.