Dias depois, uma operação do MPT resgatou 18 trabalhadores em condições análogas à escravidão na Usina Coruripe, em Minas Gerais. Fazendas também fornecem para Rede Ipiranga

Foto: Agência Brasil

Segundo apuração da Repórter Brasil, foi identificado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) condições análogas à escravidão em duas fazendas produtoras de cana-de-açúcar, arrendadas pela Usina Coruripe, ambas em Minas Gerais, nas cidades de Veríssimo e Campo Florido. A Coruripe e produtores rurais responsáveis pelas plantações nas fazendas arrendadas para a usina foram autuados por trabalho análogo à escravidão e tráfico de pessoas.

A operação realizada pelo MPT resgatou 18 trabalhadores submetidos a longas jornadas de trabalho, em condições perigosas de trabalho sem proteção, vivendo em alojamentos sem a mínima infraestrutura, e que haviam aceitado o trabalho com promessas não cumpridas desde o momento em que deixaram suas casas para ir às plantações de cana. Os resgatados contaram à Repórter Brasil que foram abordados por aliciadores que prometeram passagem, hospedagem e comida, além do salário pelo trabalho nas lavouras. 

Já ao sair do Maranhão, os trabalhadores foram obrigados a pagar pelo custo da viagem de três dias, assim como por suas refeições. Ao chegarem ao alojamento, passaram a dormir no chão, não havendo colchão e outros itens básicos. A jornada de trabalho ia das 6h da manhã até as 19h da noite, com pagamento de apenas R$ 30 e R$ 40 por hectare plantado. Os equipamentos de trabalho e segurança, o aluguel, água e luz também eram pagos pelos trabalhadores, diferente do que havia sido prometido quando saíram do Maranhão.

Semanas antes do resgate, um dos homens que trabalhava nas fazendas morreu devido a um ferimento no pé, causado pelo trabalho sem equipamentos adequados. O trabalhador utilizava botas que havia encontrado no lixo. Sua morte ocorreu duas semanas após a esposa, que ficou no Maranhão, enviar dinheiro para que ele voltasse para casa. O trabalhador rural morreu em 4 de abril, a caminho de um hospital em São Luís (MA).

A Usina Coruripe já havia sido autuada pelo MPT de Alagoas em 2021, quando a Superintendência Regional do Trabalho (SRTE/AL) recebeu denúncias de que a usina prorrogava o expediente além do limite estabelecido em acordo coletivo e não concedia o período mínimo de 11 horas para descanso entre duas jornadas. Alguns empregados tinham jornada diária de mais de 18 horas. 

Na época, a companhia firmou um termo de ajuste de conduta (TAC), se comprometendo a registrar os horários de entrada e saída dos trabalhadores em sistema eletrônico, a cumprir jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, com prorrogação do expediente apenas em caráter excepcional, mediante acordo escrito com o empregado ou acordo coletivo, em número não excedente a duas horas. Com o acordo, foi firmado que uma multa de R$40 mil seria cobrada cada vez que fosse comprovado o descumprimento das obrigações, acrescida de R $1 mil por trabalhador prejudicado.

Sendo a 58° maior empresa do agro brasileiro, como consta no ranking da Forbes Agro 100, a Usina Coruripe é fornecedora de açúcar para a Coca-Cola Brasil, conforme dados da própria empresa, há 20 anos. O açúcar produzido por essa também abastece a francesa Louis Dreyfus Company (LDC), que comprou 12 mil toneladas de açúcar da Coruripe, e a estadunidense ASR Group, para a qual foram vendidos 25 mil toneladas do produto. A cana também é destinada para a produção de etanol, tendo um contrato de R$ 100 milhões entre a Usina Coruripe e a Rede Ipiranga.

Em nota à Repórter Brasil, a Coca-Cola disse que exige dos seus fornecedores a adoção de “práticas responsáveis no local de trabalho”, mas não disse quais providências serão tomadas sobre as acusações. A LDC afirmou que tem como padrão contatar os fornecedores e solicitar respostas sobre alegações de violações aos direitos humanos repassadas à companhia. Já a Rede Ipiranga e a estadunidense ASR Group contaram ter suspendido os contratos com  a Usina Coruripe.

Confira a nota da Coca-Cola Brasil na íntegra:

O respeito aos direitos humanos é um valor fundamental da The Coca-Cola Company e levamos isso a sério. Por essa razão, exigimos que nossos fornecedores adotem práticas responsáveis no local de trabalho e em linha com nossa Política de Direitos Humanos. Comunicamos essas expectativas por meio dos nossos Princípios de Conduta para o Fornecedor (SGP, na sigla em inglês), bem como verificamos a conformidade por meio de auditorias. Embora a The Coca-Cola Company não tenha fazendas ou administre a produção agrícola, exigimos de nossos fornecedores a adoção de práticas sustentáveis nas fazendas, de acordo com os Princípios para Agricultura Sustentável (PSA, na sigla em inglês), que descrevem as nossas expectativas ambientais, sociais e econômicas.

Seguimos comprometidos com o avanço da produção de açúcar sustentável, assim como trabalhamos para melhorar a vida dos mais vulneráveis em nossa cadeia de valor, tanto no Brasil quanto no mundo. Neste sentido, publicamos estudos sobre açúcar em 22 países, detalhando de forma transparente os nossos esforços para identificar riscos aos stakeholders envolvidos na sua produção, assim como temos colaborado com parceiros locais para melhorar as condições de trabalho em toda nossa cadeia de fornecimento, inclusive no Brasil. Convidamos aos interessados a saber mais em nosso relatório de direitos humanos.

A The Coca-Cola Company foi informada de que as usinas de Coruripe iniciaram a implementação de um programa de remediação que inclui, entre outros pontos, o cancelamento do contrato com as duas fazendas mencionadas pelo Repórter Brasil. Reafirmamos também com a liderança de nossos fornecedores a necessidade de aprimorar seus mecanismos de diligência prévia com sua cadeia de valor e terceiros conforme expresso pelos Princípios Orientadores das Nações Unidas (UNGPs, na sigla em inglês) sobre negócios e direitos humanos.