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Por Guilherme Movieira*

Na última edição do Oscar, ao anunciar o vencedor da categoria de Melhor Documentário, a esposa de Alexei Navalny (tido como principal nome para articulação da oposição política a Vladimir Putin, no governo russo, antes da sua morte em 2024), Yulia Navalnaya, recebeu a estatueta pelo filme “Navalny”, e aproveitou-se do Oscar enquanto plataforma de repercussão internacional para falar sobre as opressões que os adversários políticos do presidente da Rússia sofrem diariamente. Era bastante óbvio que a vitória não passaria despercebida com um simples discurso de aceitação do prêmio e agradecimentos.

Mais do que uma celebração do audiovisual (em grande parte do audiovisual estadunidense e eurocêntrico), o Oscar é também uma plataforma para disputas sociais e políticas, oferecendo narrativas que podem ser apoiadas pelos votantes (como o caso de “Navalny”, mas também de “American Factory” e “Citizenfour”, vencedores na categoria de documentário) ou que podem ser escanteadas, ou subvalorizadas (como o caso de “Democracia em Vertigem”, que não causou o impacto nos norte-americanos da mesma forma que em nós, brasileiros). Com esse olhar, podemos lançar o seguinte questionamento: que narrativas podem prevalecer no Oscar 2024?

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Seguindo na categoria de Melhor Documentário, o favorito à vitória é “20 Dias em Mariupol”, um longa que retrata momentos da guerra entre Rússia e Ucrânia, com enfoque nos bombardeios da cidade ucraniana de Mariupol em 2022. Que Hollywood está disposta a reconhecer narrativas sobre este conflito, já sabemos. O apoio estadunidense à Ucrânia já foi tópico de discussão em algumas premiações, nas quais os apresentadores prestaram sua solidariedade e declararam seu apoio incondicional à Ucrânia, protagonista de “20 Dias em Mariupol”.

Em ano de eleições presidenciais (tanto na Rússia, quanto nos Estados Unidos), uma vitória para esse documentário colocaria, mais uma vez, o discurso de repúdio à Rússia Putinista no centro da discussão política proposta pelo Oscar. É uma pauta mais fácil de ser comprada nos Estados Unidos do que o fervor de um regime autocrático na Uganda (“Bobi Wine: The People’s President”) ou a cultura de proteção ao estupro na Índia Rural (“To Kill a Tiger”). Tal como “Democracia em Vertigem” não emocionou por tratar de uma realidade na América do Sul, as narrativas na África ou no sul asiático podem causar pouco efeito nos votantes do Oscar, que devem preferir a pauta de apoio à Ucrânia.

Contudo, é importante lembrar que não é só na categoria de documentário que as pautas geo-políticas entram em cena. Claro que discutiremos muito delas em Canção Original e Melhor Atriz com o discurso de reconhecimento à comunidade Osage, proposto em “Assassinos da Lua das Flores”, assim como poderíamos discutir pautas como aborto em uma improvável vitória de “Red, White and Blue” em Melhor Curta-Metragem ou censura literária com uma vitória de “The ABCs of Book Banning” em Melhor Documentário em Curta-Metragem. Mas a pauta mais fervorosa no momento (em termos mais internacionais) é o conflito em Gaza.

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Esse assunto pode surgir com uma vitória do curta-metragem animado “War Is Over”, baseado na canção de “Happy Christmas (War is Over)” de John Lennon e Yoko Ono (e talvez mais conhecida no Brasil como “Então é Natal”, na voz de Simone). Embora não seja uma narrativa especificamente voltada para esse conflito, a mensagem pacifista do filme pode trazer um apelo mais amplo. Vale lembrar que a comunidade judaica em Hollywood é considerável, então não podemos esperar um discurso tão unanimemente apoiado como é o caso do conflito na Rússia. Por este motivo, a mensagem mais “simples” de “War is Over” (“A guerra acabou, se você quiser”, como propunham John e Yoko), pode ser a grande mensagem que os votantes querem apoiar.

Muito mais do que uma celebração dos melhores filmes (Melhores para quem? Melhores dentre quais critérios?), o Oscar é um espaço-tempo para discussão de narrativas, sejam narrativas voltadas para as nossas concepções de “arte” e “cinema”, como também para questões sociopolíticas, geo-políticas e – por quê não? – político-partidárias. Nos cabe enquanto cinéfilos (e também enquanto indivíduos participantes de sistemas políticos) discutir esses discursos e disputar essas narrativas – não somente em busca do Melhor Filme – mas de uma Melhor Sociedade.

*Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024