Foto: reprodução Um Principe Negro

Por: Um Príncipe do Gueto e Thais Pimenta

Na última segunda feira, 25, Amy Cooper estava passeando com seu cachorro sem coleira numa área de observação de pássaros no Central Park, enquanto Christian Cooper (sem grau de parentesco) estava observando pássaros e pediu para que Amy colocasse a coleira no cachorro, pois não podia deixar o cachorro livre em naquele local, mas ela agiu agressivamente e disse que chamaria a polícia por se sentir ameaçada.

Christian então começou a gravar a cena:

“Por favor, não chegue perto de mim”, diz Christian, enquanto ela se aproxima. “Senhor, estou pedindo para você parar de me gravar”, diz Amy e o ameaça: “estou ligando para a polícia”. Christian a desafia a ligar, “por favor, ligue para a polícia”, ao que Amy Cooper então responde, “vou dizer que um homem afro-americano está ameaçando a minha vida”.

Durante a gravação do vídeo é possível vê-la ligando para a polícia, enquanto arrasta freneticamente seu cachorro pela coleira, “há um homem afro-americano, estou no Central Park, ele está me gravando e ameaçando a mim e meu cachorro.”

O vídeo termina com Christian Cooper dizendo “Obrigado”.

Depois Christian publicou o vídeo na internet e teve mais de 20 milhões de visualizações.

Uma mulher branca infringindo a lei e acusando um homem negro injustamente para a polícia. Nas redes sociais chamaram-a de “Karen”, termo popularmente usado para descrever pessoas brancas que usam seu privilégio ou se consideram mais privilegiadas que as outras pessoas.

Esse episódio poderia passar batido, mas vários casos aconteceram nos EUA de pessoas brancas acusarem uma pessoa negra injustamente.

Na última quinta-feira, ocorreu um outro fato bem parecido com repercussão nacional nos EUA. Patricia Ripley, uma mulher também branca, disse à polícia que dois homens negros haviam sequestrado seu filho, autista de 9 anos. Contudo, ela foi vista em um vídeo de vigilância empurrando seu filho, Alejandro Ripley, para dentro de um rio na noite de quinta-feira para afogar a criança, segundo o canal de TV ABC.

Outro caso bem conhecido foi o que ocorreu em Oakland, na Califórnia, quando uma mulher branca quis denunciar uma família negra que fazia um churrasco com alguns amigos em uma área pública.

O episódio com Amy Cooper no Central Park também lembrou um caso de injustiça muito famoso nos Estados Unidos, o caso dos 5 cinco garotos que foram acusados de estupro sem nenhuma prova e foram condenados, mesmo sendo inocentes. Em 9 de Abril de 1989, quando uma mulher branca, chamada Trisha Meili, então com 28 anos de idade, corria pela região do Central Park em Nova York, foi atacada e estuprada por um outro grupo de criminosos.

No ano passado a Netflix lançou uma série chamada Olhos Que Condenam, que é baseada justamente nesse caso e escancara a discriminação racial presente nos Estados Unidos até os dias de hoje.

Após a repercussão do vídeo, Amy Cooper tentou se desculpar e disse em entrevista à CNN, “Minha vida está sendo destruída agora” – Ela foi despedida da empresa onde trabalhava e seu cachorro foi entregue para um abrigo, devido aos maus tratos que aparecem nas imagens do vídeo.

Usando o seu poder de narrativa histórico, ela diz que não sabe porque tomou essa atitude, “acho que eu estava com medo” – mas as imagens dizem o contrário, mostrava alguém que estava no controle desde o começo da gravação.

Amy não estava com medo, ela está usando o seu poder de privilégio.

Privilégio não é ter posse do poder, mas ter sabedoria para exercê-lo ao seu favor, no momento adequado, como um maestro talentoso, mas o seu poder é a capacidade de compor harmonicamente diferentes instrumentos tocados ao mesmo tempo.

Amy sabia no momento do vídeo que estava orquestrando – e é notório que ela já vinha exercendo esse privilégio – pois na hierarquia racial, ser uma mulher branca lhe confere poder. Amy Cooper conta com a fé pública da verdade, Christian Cooper não.

Na relação histórica intrínseca desse fato, cabia a Christian Cooper apenas desempenhar o papel de “escravo” e ela a “dona dele”, pois Amy jamais permitiria que um homem negro a dissesse o que fazer. Para ela havia uma inversão de valores, uma quebra do papel histórico, que ela fez questão de corrigir naquele momento.

Quando ela o ameaça dizendo que vai ligar para a polícia e dizer que tem um homem negro a ameaçando, Amy Cooper quer dizer: ou você se coloca no seu lugar de negro ou eu vou colocá-lo.

Amy tem muito claro para si, de que no imaginário hierárquico racial, homens negros são uma ameaça constante para mulheres brancas, puras, meigas e inocentes. Também dentro desse arquétipo racista existe a construção de que homens negros têm um impulso de desejo incontrolável por mulheres brancas, quase animalesco.

A construção deste imaginário vem sendo elaborada há séculos e foi retratado no filme “O renascimento de uma nação” (1915), que originalmente tinha o nome de “The Clansman”.

O filme compõe essa ideia do homem negro (atores brancos fazendo blackface) como pouco inteligente e sexualmente agressivo, e para isso, traz o renascimento da Ku Klux Klan como o salvador da “donzela” – a nação americana.

“O diretor Thomas Dixon Jr. acreditava na superioridade da raça ariana, na violência e na superioridade do branco sobre o negro e do homem sobre a mulher.” diz Yara Nogueira Monteiro, no livro “As doenças e os medos sociais”.

O diretor queria alertar sobre o “perigo negro” e a “santidade da mulher branca” e sua produção jogou com a suposta “sexualidade primitiva” do homem negro “subumano”.

Em “O renascimento de uma nação”, uma mulher branca se suicida para não ser “violentada” por um homem negro, e no final os cavaleiros da Ku Klux Klan salvam uma donzela branca e indefesa de ser “violentada” por um mulato.

Esse filme, com duração de 3 horas, reforça o arquétipo do homem negro vil e violento e que precisava ser domado ou morto, gerou inúmeros protestos pelas organizações negras para tentar não exibi-lo, mas sem sucesso.

Muitos historiadores dizem que essa produção é uma das causas das violências policiais que se perpetuam até os dias de hoje nos EUA e impediu que os negros alcançassem uma posição de igualdade na América.

Amy Cooper se coloca exatamente nesse papel, esperando que os cavaleiros viessem ao seu socorro. Ela usa do seu privilégio branco para tentar “açoitar” Christian em praça pública por “insultá-la”. Há um poder de violência que as mulheres brancas têm à sua disposição, mesmo que elas não precisem exercê-lo diretamente, Amy se apropria disso.

Christian não esperou a polícia chegar, pois já sabia o desfecho, mesmo assim Amy ligou para a polícia. Ele sabia que corria risco de não sobreviver nesse conflito, mas ela não se importou em colocar a vida dele em risco.

“Eu não sou racista”, disse Amy em entrevista à CNN. “ Eu não pretendia prejudicar aquele homem de forma alguma”, disse ela ao jornal depois de ter proferido as seguintes palavras no dia do ocorrido, “estou sendo ameaçada no The Ramble (área que se encontravam no parque), por favor envie a polícia imediatamente”.