Ameaças contra o STF, boicote de supostas empresas de esquerda e denúncias de desvio de doações são o dia a dia do ‘Amigos Manaus’

Foto: Ricardo Oliveira/Cenarium

Por Cley Medeiros 

“Se eu fosse o Bolsonaro, jogava uma bomba naquele hotel. Matava eles todinhos”, em referência ao hotel onde os ministros do Supremo Tribunal Federal realizam neste momento em Nova Iorque, nos Estados Unidos, um encontro sobre democracia e liberdade para empresários do LIDE, grupo de influência liberal capitaneado por João Dória. Esse é um trecho de uma das centenas de áudios que chegam no grupo de WhatsApp de extrema direita Amigos Manaus, que reúne líderes de arrecadação e propaganda para manter um acampamento no Comando Militar da Amazônia que reúne mais de 300 pessoas, e que pretende estar mobilizado para produzir fatos que atrapalhem posse de Lula, no dia 1º de janeiro de 2023.

São pelo menos dez grupos que atuam no chamado núcleo duro, com os mesmos administradores, com alternância de protagonismo. As responsabilidades não se alteram, e as tags das publicações dos principais usuários são específicas e únicas. Os núcleos são divididos em: arrecadação, bombeiros, mãos de ferro, comentadores e engajadores internacionais. 

O mais novo grupo criado possui 179 membros, e está em ampliação. Os administradores preferem não exibir uma foto real, e optam por um apelido ou apenas o primeiro nome, que muitas vezes possui caracteres não alfanuméricos, um clássico método utilizado em divulgação em massa de conteúdo por  robôs, que agem por meio de Inteligência Artificial para captar tags e respondê-las com alta possibilidade de engajamento.

Já foram mais de 10 mil reais doados desde o início das mobilizações, em dois de novembro, apenas neste grupo. A suposta prestação de contas é feita por meio de comprovantes de pagamento. A grande maioria das doações são de pix. No último dia 9, duas articuladoras de doações foram acusadas de desvio de verba doada. Nesse momento é possível ver a atuação dos bombeiros e a suspensão imediata de possibilidade de comentários, que poderiam aumentar a discussão sobre o assunto.

Nesse trecho, a administradora do grupo Amigos Manaus se defende da acusação de roubo feita no Comando Militar da Amazônia. Abaixo, está a ação de um dos bombeiros do grupo.

‘Usuário bombeiro’ é o primeiro a comentar após vídeo em que administradoras do grupo se defendem de acusação de desvio de valores doados. Foto: reprodução

 

Foto: reprodução/ conversa em grupo de WhatsApp de extrema direita

Covid-19

A notícia de que o Amazonas está entre os estados que mais registram crescimento de casos de Covid-19 nos primeiros dias de novembro gerou um clima de suspeita nas conversas dos integrantes do grupo, que estão dispostos a ignorar qualquer decisão que leve a novas medidas de isolamento social, como o simples uso de máscara, que começa a ser recomendado por universidades como a UFRJ e URGS, Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.

De acordo com a Fundação de Vigilância Em Saúde, 96% dos pacientes hospitalizados por Covid-19 em Manaus, nos últimos 14 dias, não possuem esquema vacinal atualizado. Foto: reprodução/ conversas de grupo de extrema direita no WhatsApp

Proclamação da República

Com a nota das Forças Armadas, que não aponta que houve fraude, mas não descartou possibilidade, que pode ser interpretada como uma clara mensagem golpista, os manifestantes de extrema-direita pretendem pedir que o Tribunal Superior Eleitoral divulga o que o Ministério da Defesa chama de código-fonte, que o TSE já garantiu que todos os órgãos que fiscalizam o processo eleitoral obtiveram, inclusive as Forças Armadas.

O esquema em Manaus está sendo organizado para iniciar com uma carreata saindo do Comando Militar da Amazônia, e chegando até o Espaço Torres, tradicional centro de convenções na Avenida das Torres, que já recebeu comício eleitoral de Lula no primeiro turno. No local, ativistas e políticos de extrema direita irão dizer que as eleições foram fraudadas e que as Forças Armadas devem agir para impedir Lula na presidência.

Foto: cenas do vídeo que convoca para carreata em um espaço privado de Manaus / reprodução


Após a programação com data para terminar no local alugado, uma carreata deve ocorrer de volta ao acampamento montando no Comando Militar da Amazônia. O objetivo é dar sensação de legitimidade do pedido de intervenção até janeiro, quando Lula deve tomar posse.

Quem financia? Quem apoia? Quem se omite?

O principal apelo feito pelos arrecadadores é de que toda ajuda é necessária neste momento: ‘se vocês não podem permanecer no acampamento no CMA, que ajudem a manter com doações’. O pedido é permanente e se repete por diversas vezes durante o dia.

Foto: reprodução/ conversa em grupo de extrema direita

Apesar de existirem doadores de pequenos valores, como R$ 10 ou R$ 20, a repórter Ívinia Garcia, da Cenarium,  divulgou o vídeo no qual uma das principais administradoras desses grupos de arrecadação grava o momento em que recebe uma grande doação de frango para churrasco, refrigerantes água e outros produtos do supermercado Baratão da Carne, em Manaus. A repórter pediu um posicionamento da empresa, que se negou a comentar.

Na Câmara Municipal, o vereador bolsonarista capitão Carpê apoiou o acampamento em frente ao CMA.O site da Câmara chegou a publicar no título sobre o posicionamento do vereador como apoio a ‘ato patriótico’, horas depois a expressão foi alterada por ‘manifestação’. O ex-candidato derrotado ao senado pelo Amazonas, o líder da extrema-direita coronel Menezes, realiza visitas esporádicas ao acampamento que nega o resultado eleitoral.

O Instituto de Mobilidade Urbana (IMMU), responsável pela fiscalização das ruas, ainda não divulgou um balanço sobre o número de multas aplicadas, nem tampouco o que tem feito para impedir que violações do código de trânsito, como estacionar em via proibida, e a poluição sonora causada por buzinas de carros, motos e caminhões, continuem a acontecer.

O Conselho Tutelar foi acionado pela Rede Sustentabilidade para apurar a situação de crianças nos acampamentos, que possuem condições insalubres.

O Ministério Público do Amazonas pediu explicações da Polícia Militar acerca das circunstâncias da permanência do acampamento em área proibida e de segurança nacional. Até o momento, a PM não respondeu os questionamentos do MP.