Diante de um dos maiores eventos esportivos do mundo, público feminino vai ao estádio pela primeira vez

Mulheres cataris na torcida pela seleção. Foto: Quality Sport Images/Getty Images

Por Stefane Amaro

No último domingo (20), o mundo voltou, definitivamente, seus olhares para o Catar, sede da Copa do Mundo deste ano. No entanto, muito antes de sua abertura, o país já era alvo de debates. Anunciado como palco do evento em 2010, o Catar tem uma legislação baseada na sharia, lei islâmica que prevê diversas restrições sobre a vestimenta e comportamento das mulheres, especialmente em ambientes públicos.

Como verifica o Observatório de Direitos Humanos (Human Rights Watch, em inglês), através de um relatório sobre as regras da tutela masculina no país, “as mulheres no Catar devem obter permissão de seus responsáveis ​​masculinos para se casar, estudar no exterior com bolsas do governo, trabalhar em muitos empregos públicos, viajar para o exterior até certas idades e receber algumas formas de cuidados de saúde reprodutiva”. O relatório na íntegra pode ser lido aqui.

Captura de tela do aplicativo móvel Metrash2, que permite aos tutores do sexo masculino emitir autorizações de saída para seus dependentes – incluindo mulheres solteiras com menos de 25 anos e funcionários migrantes.

Apesar dos avanços conquistados pelas mulheres cataris nos últimos anos, especialmente na educação, como aponta o relatório, percebem-se ainda costumes que as restringem. Mas, no contexto do maior evento de futebol do mundo, como a cultura do país influencia a relação dessas mulheres com o esporte?

Na torcida

O acesso aos estádios por parte do público feminino é permitido desde 1998, como apurou a Revista Marie Claire. Porém, pela cultura essencialmente patriarcal do país, o que se tem visto são mulheres indo, pela primeira vez, assistir a uma partida de futebol. No jogo de abertura do evento, partida entre Catar e Equador, a torcida era, em sua maioria, composta por homens. Todavia, ainda que em menor número, mulheres estiveram presentes no Al Bayt.

Em entrevista ao UOL Esportes, Amera Saadoun, uma mulher catari de 30 anos, disse que “não é muito comum na nossa cultura [mulheres frequentarem estádios], mas eu não podia perder isso”. A experiência foi compartilhada por várias outras cataris. Acompanhadas, em sua maioria, e vestidas de seus trajes tradicionais, as mulheres mantiveram uma postura diferente do que se veria em uma torcida brasileira, por exemplo – mas isso não significa dizer que elas não estavam lá, nem muito menos que não torceram.

Apesar de comedidas, as mulheres cataris compuseram a torcida pela Seleção do Catar, através de cores e bandeiras. O momento significou, para muitas delas, uma ruptura da ideia de que, por serem mulheres, seus lugares não eram na arquibancada, dentro de um estádio de futebol.

O avanço pode parecer ainda muito pequeno, em um olhar etnocêntrico, ao compará-lo com o que tem acontecido em outras culturas. No Brasil, apesar do que há para ser evoluído, tem-se visto o protagonismo feminino dentro e fora de campo, na arbitragem e nas transmissões. Porém, um dos desafios dessa Copa tem sido exatamente o relativismo cultural – debater as questões problemáticas do Catar sem desrespeitá-lo enquanto um país de cultura tão valiosa quanto qualquer outro.

Com os olhos, câmeras e atenção de povos do mundo inteiro direcionados ao Catar, em uma Copa do Mundo sem precedentes – a primeira sediada em um país do Oriente Médio –, é possível pensar na possibilidade de novas experiências para as mulheres cataris e a consequente quebra, ainda que tímida, de paradigmas em relação ao seu papel na sociedade.

O primeiro passo, a ida ao estádio, foi dado. Um pontapé, o apito inicial, deste que pode ser o início de um campeonato em busca de mais direitos.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube