Escritora, cantora, compositora e modelo, Daphné Zanelato tem acumulado conquistas e leitores desde o lançamento de seu livro de estreia, “Marteus”. Em uma entrevista exclusiva ao Planeta FODA, ela compartilha a inspiração por trás de sua obra, abordando a importância da ocupação de uma escritora transexual em um evento como a Bienal no Rio, a representatividade na literatura, e seu longo percurso até aqui.

Marteus, um romance que gira em torno de jovens bissexuais que estão prestes a concluir o ensino médio, oferece uma narrativa que quebra os estereótipos e preconceitos em nome de um amor genuíno. Daphné destaca que seu objetivo é desafiar os padrões de uma sociedade patriarcal e incentivar a compreensão e respeito desde a juventude. Ela acredita que, através da literatura, é possível transmitir a normalidade do amor, independentemente de gênero ou orientação sexual.

Daphné compartilha conosco suas fontes de inspiração, baseadas em experiências de vida e romances que observou de perto. Ela enfatiza como suas histórias são moldadas pelos relacionamentos, emoções e conflitos que testemunhou. Sua jornada para encontrar uma editora e alcançar o sucesso foi repleta de desafios, mas com determinação e apoio, ela conseguiu realizar seu sonho.

Participar da Bienal do Livro no Rio de Janeiro foi uma experiência transformadora para Daphné. Ela se sentiu como um farol de esperança para a comunidade trans, enfrentando o preconceito e inspirando outros a acreditarem em seus próprios sonhos. Sua presença na Bienal não só celebrou a diversidade, mas também trouxe uma mensagem de esperança para todos que enfrentam adversidades em busca de seus objetivos.

Confira abaixo a entrevista completa:

1 – Conta pra gente um pouco sobre Marteus

Marteus é um romance extraordinário, envolvendo jovens bissexuais que estão concluindo o ensino médio. A saga de livros explora a sexualidade de forma que os preconceitos são vencidos pelo fogo avassalador da paixão, entre intrigas e julgamentos adolescentes, que não são o bastante para vencer o poder do amor verdadeiro. Amor tal, que desafia todos os padrões de uma sociedade patriarcal. A cada capítulo, uma nova descoberta, um novo romance envolvendo escândalos familiares, com vasto vocabulário eloquente, onde os personagens estão imersos de forma poética em um universo de moda, arte e mistério. Marcus e Mateus são os protagonistas desse romance, por isso: o casal “Marteus”. O amor deles vai além de uma quente paixão, envolve amor biológico, conexão de alma.

Acho muito importante compreendermos o mundo em que vivemos e tudo aquilo que nele existe! Não podemos mais viver em negação e se recusar a enxergar a existência de outro ser humano com as mesmas fraquezas, sonhos, emoções e necessidades básicas que toda pessoa tem. É primordial que desde jovem possamos crescer sabendo o que existe ao nosso redor, para que haja compreensão e respeito ao enxergar a forma de viver do outro. Facilitar e possibilitar um melhor convívio social é nosso dever como profissionais da arte, da literatura. Trazer o conceito de respeito pelo direito de existir, de amar livremente, que assim como nós, possuem todas as pessoas. Acredito ser de extrema importância e mega pertinente ter um romance de vocabulário rico, eloquente, com diversidade, cultura, arte, moda, muito amor heterossexual, bissexual e gay, nas bibliotecas das escolas. Para que já desde cedo, a nova geração possa, através da leitura e da literatura lúdica, conseguir enxergar e sentir a sensação da normalidade em amar, seja lá quem for. Entender que o amor existe e ponto. Seja ele gay, hétero, bissexual. O amor importa!

2 – Como é o exercício da leitura e escrita no seu dia a dia? De onde vem a inspiração?

Eu sempre observei muito o comportamento humano, li e vivenciei muitos romances. Sempre usei experiências que vivi e assisti acontecerem no meu convívio cotidiano para dar vida e formar o caráter dos personagens. Suas emoções, impulsos, conflitos, são a minha inspiração para escrever e viver esse romance excitante. Li e reli diariamente os livros e fui sempre adicionando cada vez mais detalhes de acordo com as experiências que vivi com meus ex-namorados, e também pelo que assisti no relacionamento daqueles com quem convivi durante a jornada da minha vida até aqui.

3 – Como foi a saga até encontrar uma editora e obter as conquistas que você vem acumulando com seu trabalho?

Eu escrevi esses livros por muito tempo, acumulando experiências nele, em forma de fugir um pouco da realidade em um processo que eu considero terapêutico. Conheci a editora Livra em 2021, depois de ter finalizado a saga em 2017, com a ajuda da minha madrinha literária, Kristhel Byancco.

Junto com o apoio da editora Livra, e com o investimento da minha maior incentivadora, minha mãe, consegui com muita luta, foco, disciplina e determinação, construir o styling para o conceito das capas dos livros. Não desistir nunca e trabalhar arduamente dia após dia, foi o que me trouxe até aqui.

Foto: Elias Gama – Imagen

4 – Você esteve na Bienal do Livro no Rio de Janeiro. Conta como foi essa experiência.

Ter estado na Bienal me trouxe uma luz de missão no mundo, sabe?! Eu, como mulher transexual, me senti como um reflexo para a minha comunidade, que é tão marginalizada com o preconceito…

Teve um professor que me disse que eu era a primeira mulher trans que ele via, nessa estética, publicando um romance LGBTQIA+, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Ele me disse que muitas das meninas trans que passam ali e compram conseguem ver em mim uma esperança de sonhar e realizarem seus sonhos! Porque a maioria de nós é desde a infância muito humilhada e amaldiçoada com palavras que eu mesma já ouvi da própria família, tais como: “Você vai pro inferno!”; “Vai morrer cedo!”; “Vai ser uma drogada!”; “Vai virar prostituta!” E me senti com uma responsabilidade muito grande de mostrar para essas meninas que podemos sonhar, acreditar e lutar pelos nossos sonhos, porque com paciência a gente consegue chegar lá!

Poder ter contato com tantas pessoas interessadas em cultura e literatura no Brasil foi fascinante. Ver o brilho de esperança nos olhos da nossa classe LGBTQIA+ transcendeu o meu ego e me trouxe uma missão de levar esperança para todos nós que somos negligenciados no cenário do romance. Abraçar e trocar energia com tanta gente maravilhosa, ter contato com tanta diversidade foi uma sensação de honra e amor imensurável para mim, como ser humano. Encontrei finalmente meu propósito, achei meu lugar no mundo.

5 – Nós já publicamos em nossa página algumas denúncias feitas pela Luisa Marilac, sobre o ambiente transfóbico da Bienal do Livro em São Paulo, em 2022. Você também chegou a enfrentar essa situação? Como você foi tratada por estudantes e pelo público acadêmico?

Foi lamentável a forma como a Luisa Marliac foi tratada com transfobia na Bienal do Livro em São Paulo no ano de 2022. Mas acredito que estamos em constante luta incessante para construir um mundo melhor. Fui acolhida com muito amor, respeito, carinho e extrema aceitação na Bienal do Livro do Rio de Janeiro esse ano. O público acadêmico, estudantes, até mesmo crianças, me trataram com um amor e carinho tão grande, que me senti recebendo o abraço que nunca havia recebido na sociedade, um abraço universal. Tive a experiência de sentirmos finalmente, unirmos nossas mãos em avanço ao novo mundo. Tive apoio de além da minha comunidade, de muitas mulheres e homens cis. Muitas mães compraram comigo, foi uma experiência transcendental.