IBGE diz que há 5972 quilombos, mas apenas 173 foram titulados; processo moroso deixa áreas vulneráveis (Agência Brasil)

 

Um exemplo de racismo institucional no Brasil é o processo moroso de regularização das terras reconhecidas como pertencentes a povos remanescentes de quilombos. O IBGE diz que há 5.972 quilombos espalhados pelo país, mas segundo a Coordenação Nacional das Entidades Quilombolas (Conaq), apenas 173 foram titulados.

Sem os títulos, os territórios que remontam o período colonial e que serviam de refúgio para negros escravizados ficam inacessíveis para políticas públicas e vulneráveis a invasões e conflitos.

Mas o órgão que executa a titulação das terras já identificadas e reconhecidas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cada vez mais se distancia de suas funções, como atuar também, como parte de uma reparação histórica, pela regularização fundiária de territórios quilombolas. Isso é fundamental para a dignidade e garantias da continuidade desses grupos étnicos.

De acordo com o site Alma Preta, uma normativa n° 111, publicada no dia 22 de dezembro de 2021, alterou as regras para o licenciamento ambiental de obras em terras quilombolas, se limitando a fazer análises de impacto e escuta com as comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares e que possuem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), vale ressaltar, que não é o documento oficial de titulação.

A falta de nitidez da Instrução Normativa (IN) do Incra incentivou o questionamento sobre potenciais riscos às as comunidades quilombolas sem o RTID.

Com auxílio da Conaq, a deputada Áurea Carolina (PSOL-MG) apresentou ao Incra um Requerimento de Informação (RI), pedindo atualização dos dados de 2019, ressaltando que a alteração representa retrocesso jurídico em desfavor das comunidades quilombolas. Ainda não recebeu nenhuma resposta.

O coordenador nacional da Conaq, Biko Rodrigues, disse ao Alma Preta que a “medida normativa veio para acabar com toda a política quilombola e abrir as porteiras mesmo para os empreendimentos e o agronegócio dentro dos territórios quilombolas”.

No requerimento a deputada pede esclarecimentos sobre os procedimentos que serão adotados pelo órgão para a garantia do acordado na Convenção da OIT e na própria legislação brasileira.

A Instrução Normativa n° 1, de 2018, da Fundação Cultural Palmares indica que as comunidades quilombolas são “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, certificadas pela FCP”.

Identificadas enquanto comunidades quilombolas, independente da titulação do Incra e da certificação da Fundação Cultural Palmares, o RI da deputada do PSOL afirma que esses grupos têm o direito aos acordos firmados pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O artigo 6° da Convenção 169 da OIT indica que os governos devem “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.

O artigo ainda indica que há o “objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”. A Instrução Normativa do Incra não aponta para a busca de um consentimento com as comunidades quilombolas.

O documento do Incra também abre a possibilidade da não realização de oitivas, “por motivos alheios à responsabilidade da Autarquia ou do empreendedor”, o que ocasionará na manifestação do órgão “com relação aos produtos apresentados, registrando a ausência de oitiva”. O requerimento da deputada Áurea Carolina questiona o formato das oitivas, bem como pede uma explicação mais detalhada sobre quais podem ser os “motivos alheios” para impedir a realização de uma oitiva com as comunidades quilombolas.

O requerimento questiona o Incra se o tratado internacional foi considerado na construção da normativa, por possível violação do requisito de consulta prévia. De acordo com o pedido da bancada do PSOL, a Instrução Normativa do Incra é nebulosa quanto à garantia do direito de consulta prévia.

“De forma geral, o que se assiste no Brasil são sucessivas tentativas de retroceder na legislação socioambiental e enfraquecer o licenciamento ambiental. Diante desse cenário, entendemos importante que a Autarquia se manifeste a respeito da nova norma, buscando esclarecer a esta Casa qual a postura pretende adotar em relação ao licenciamento de obras e empreendimentos que possam impactar as comunidades quilombolas”, diz o texto.

O artigo 33 da Convenção também indica a importância da participação dos povos quilombolas na administração desses territórios. Sinaliza que os programas e medidas que “afetam os povos interessados (…) deverão incluir: o planejamento, coordenação, execução e avaliação, em cooperação com os povos interessados”. Os quilombolas afirmam, contudo, que não houve qualquer diálogo com o Incra.

Biko Rodrigues diz que a mudança gera preocupação nas comunidades quilombolas, em especial pela falta de estrutura do Incra para lidar com as demandas desse segmento social. “O Incra não tem estrutura nenhuma para trabalhar o licenciamento ambiental. O Incra está totalmente sucateado”, conclui.

(Com Alma Preta)