O governo Bolsonaro não fez qualquer movimento para promover o Acordo de Escazú (Palácio do Planalto)

 

Por Ester Pinheiro*

O governo Bolsonaro não ratificou o Acordo de Escazú assinado em 2018, que protege defensores ambientais. O projeto possui o potencial de promover avanços nos direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em temas ambientais e na proteção de defensores e defensoras ambientais da América Latina e do Caribe.

A primeira reunião da Conferência das Partes (COP 1) do Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Questões Ambientais na América Latina e Caribe, conhecido como Acordo de Escazú, começou nesta quarta-feira, 20 de abril, na sede da CEPAL, em Santiago, Chile e terminou hoje, dia 22.

Os Estados Partes e demais nações que estão em processo de ratificação lutam para promover a ação conjunta e cooperativa para dar novo impulso à primeira iniciativa ambiental na região e, assim, avançar na proteção do meio ambiente, na inclusão social e no desenvolvimento econômico da população. 

Em seu discurso de abertura o presidente do Chile, Gabriel Boric, disse que o Acordo de Escazú nasceu como uma resposta às necessidades urgentes que a região vive.

“Que infelizmente se tornou a mais perigosa do mundo para os defensores do meio ambiente. Ela encarna anseios profundos dos povos deste canto do Sul Global: anseiam por paz, anseiam por justiça, anseiam por uma ação decisiva diante da crise climática e da degradação do meio ambiente em que vivemos e nos encontramos”.

Brasil na COP

Por não ter validado o acordo, o Brasil não pode receber denúncias sobre crimes contra os direitos humanos, nem ter apoio para a proteção de defensores ambientais, mas pode participar como país observador. O representante brasileiro na COP é o Secretário de ciência, tecnologia e inovação da embaixada no Chile, Leandro Rocha de Araújo que não quis dar entrevistas.

Para Joara Marchezini, coordenadora da Nupef Brasil e especialista em direitos humanos, democracia e acesso à informação, não basta observar a COP1 de Escazú, que é um momento de grande relevância na pauta de direitos humanos e ambientais. “Os olhos do mundo da cooperação internacional estarão acompanhando o desenvolvimento da primeira COP, e quem ficar de fora ativamente e não defender posições a favor da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável, será certamente lembrado”, comenta.

“O Brasil está atrasado”

O especialista em direito ambiental, Rubens Born, participou de nove sessões de negociação do Acordo de Escazú em nome da Fundação Grupo Esquel Brasil e como convidado da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). Segundo ele, o Brasil está atrasado em direitos humanos e ambientais em relação aos Estados Partes do Acordo de Escazú que pedem ação conjunta para promover o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe.

“O Brasil retrocedeu nesses últimos três anos e meio por conta do desmonte da participação pública e transparência das informações, há um retrocesso ambiental e de direitos humanos, a estratégia do governo é de ‘passar boiada”, afirma. 

Nos últimos três anos e meio, o governo Bolsonaro não fez qualquer movimento para promover o Acordo de Escazú. O documento segue parado na presidência, que poderia ter enviado o documento para a ratificação pelo Congresso Nacional. Segundo Renato Morgado, mestre em Ciência Ambiental e gerente de programas no Transparência Internacional Brasil, o atual governo não só deixou de promover o avanço da tramitação do acordo, como realizou diversas ações que vão na contramão do que o documento prevê.

De acordo com o especialista, no campo da participação, por exemplo, houve a extinção de conselhos ambientais, bem como a redução do número de representantes em conselhos que foram mantidos. Em relação ao acesso à informação, existe uma tentativa sistemática de desacreditar e desestruturar órgãos que produzem dados ambientais, bem como houve a redução da disponibilização de informações relevantes.

Por fim, ele completa que “altas autoridades públicas, inclusive o próprio Presidente da República, incentivam crimes ambientais e espalham desinformação sobre organizações e ativistas ambientais, colocando em risco e aumentando a violência contra esses grupos. Nesse sentido, o cenário provável é que essa situação de paralisia do acordo seja mantida até o final do governo.”

“Passando a boiada” antes das eleições

Incerto sobre a reeleição, o atual presidente brasileiro apressa projetos anti-ambientais no Congresso sobre grilagem, mineração e o uso de agrotóxicos, segundo especialistas. Para Mogardo, é possível que projetos de lei que impactam o meio ambiente se intensifiquem.

“Os anos eleitorais são sempre mais críticos, pois tanto o presidente, quanto muitos parlamentares podem tentar acelerar a tramitação desses projetos para obterem dividendos políticos junto a suas bases eleitorais.” Por outro lado, para o especialista ano de eleição também é tempo de mobilização e a reação da sociedade pode ter mais efeito junto aos congressistas, dado que estão ainda mais sensíveis à pressão da opinião pública.

“No caso dos projetos de lei sobre grilagem e uso de agrotóxicos que já foram aprovados na Câmara dos Deputados, é esperado que o Senado realize uma tramitação de forma mais equilibrada, permitindo que sejam discutidos com todos os setores interessados e a atenção que tais temas exigem.”

Anunciada na agenda em fevereiro desse ano, as prioridades do governo pressionada por ruralistas, estão relacionadas a favorecer a grilagem, afrouxar o licenciamento ambiental, liberar ainda mais o uso de agrotóxicos e abrir terras indígenas ao agronegócio e à mineração. Alguns dos projetos de leis em processo são: Mineração em Terras indígenas (PL 191/2020), Marco Temporal das terras indígenas (PL490/2007), Pacote do Veneno (PL 6.299/2022), Liberação da Grilagem (PL 510/2021) e Fim do licenciamento ambiental (PL 2159/2021). 

A maioria das vítimas de assassinatos são ativistas indígenas que trabalham em seus territórios em torno de questões de terra, meio ambiente, que impactam as atividades de garimpagem e agropecuária. Shirley Krenak, ativista indígena e coordenadora do Instituto Shirley Djukurnã Krenak, comenta que a população indígena vem sofrendo perseguição política e a situação atual principalmente para mulheres indígenas na frente da luta climática é muito perigosa. “As mulheres indígenas sofrem constantes ameaças de abuso e de morte quando tem trabalhos voltados a dar visibilidade as lutas e defendemos o nosso meio ambiente.”

Dois casos recentes que geraram bastante indignação por parte da sociedade brasileira foram a morte do líder indígena Paulo Paulino Guajajara em 2019 e as ameaças de morte sofridas pelo líder indígena Cacique Babau e sua família no ano passado. Pirata Wauja, indígena do povo Wauja é professor, fotografo, cineasta e coordenador de projetos culturais. Segundo ele, tem sido um desafio viver nas aldeias indígenas e lutar pelo seu território nos últimos anos.

“Durante o governo Bolsonaro, estamos enfrentando uma ameaça muito grande no nosso território indígena do Xingu. Sentimos cada vez mais um avanço do desmatamento e da plantação agrícola, temos muito medo.” De acordo com Wauja, durante a pandemia começou a retirada de madeira ilegal dentro do Xingu, “aproveitaram bastante da crise e ainda continuam mesmo com a presença da polícia federal”, comenta.

O agronegócio e as plantações de soja também geram riscos para a população. “Eles desrespeitam as leis e quando joga o veneno dentro do nosso território, na beira do rio do Xingu e isso contamina as águas, à terra e os nossos corpos”, completa. 

Como a validação do Acordo poderia ajudar o Brasil?

Desde a redemocratização, o Brasil obteve avanços que permitiram, por exemplo, a demarcação de centenas de terras indígenas, territórios quilombolas e reservas extrativistas, fortalecendo os direitos territoriais desses grupos, bem como a redução significativa do desmatamento da Amazônia, entre 2004 e 2018.

Apesar desses avanços, para Mogardo, o Brasil ainda segue atrasado na garantia plena dos direitos humanos e ambientais. “Nos últimos anos entramos em um contexto ainda mais grave, de franco retrocesso. Nesse sentido, a maior urgência é reconstruirmos a governança ambiental e climática do país e garantirmos o bom funcionamento das instituições responsáveis pela promoção dos direitos humanos e a validação Acordo de Escazú seria um bom começo”.

Escazú representa uma maior proteção dos direitos de acesso à informação, participação social e acesso à justiça em temas ambientais para os países da América Latina e Caribe. Para Born, especialista em engenharia ambiental, a ratificação do acordo poderia dar mais tranquilidade aos ativistas e a população em geral. “A vigência do acordo no Brasil permitiria a quem quer exercer sua cidadania requisitar informações dos órgãos estatais, participar de decisões, seja em conselhos ou comissões, acompanhar as decisões governamentais que possam afetar a questão ambiental.” 

O acordo representa também uma maior proteção aos defensores ambientais por ser o primeiro tratado internacional a estabelecer dispositivos específicos para esse grupo, considerando que o Brasil é o quarto país no mundo que mais mata ambientalistas, de acordo com relatório da ONG Global Witness de 2021. Para Joara Marchezini, pode-se dizer que o acordo poderia trazer maior estabilidade, “ao promover a democracia ambiental e diminuir os conflitos ambientais, bem como promover os direitos humanos”. 

 

* Este trabalho foi produzido no marco do projeto sobre a COP1 do Acuerdo de Escazú de Climate Tracker e FES Transformación.