Após 40 anos de impunidade, Estado brasileiro é condenado por deixar sem resposta o assassinato de Gabriel Sales Pimenta

Foto: Reprodução/Abrapo

Nessa terça-feira, 4, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e considerado responsável “pela violação dos direitos à verdade, à proteção e integridade da família de um defensor de direitos humanos”, como informa Jamil Chade em sua coluna no UOL.

O caso se trata do assassinato do advogado mineiro Gabriel Sales Pimenta, que atuava como advogado do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá (“STR”), era representante da Comissão Pastoral da Terra e trabalhava na defesa dos direitos de trabalhadores rurais. Em 1982, ao sair de um bar com amigos em Marabá, no estado do Pará, Gabriel, com 27 anos, recebeu três tiros fatais.

Três homens foram identificados como suspeitos. Em 1983, o Ministério Público (MP) ofereceu denúncia penal. Em novembro de 1999, 17 anos depois, após a morte de um dos suspeitos, o MP solicitou a extinção da sua responsabilidade penal, decretada em 2000, com a improcedência de denúncia contra outro suspeito, por falta de provas. Em 2002, o julgamento foi marcado com um único réu, o mandante, que foi condenado por júri popular, e não foi localizado. Em 2006 a Polícia Federal cumpriu a ordem de prisão preventiva, porém os advogados pediram habeas corpus, que foi atendido, e foi solicitada a prescrição do caso, com o MP se manifestando a favor, o que foi atendido pela Justiça do Pará. resumindo, dois dos assassinos morreram, o mandante foi condenado em júri popular, desapareceu antes da sentença, e foi preso após quatro anos,

Porém, a família de Gabriel seguiu em busca de justiça e seu irmão, Rafael Sales Pimenta, apresentou para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reclamação por excesso de prazo no processo penal, com a alegação de morosidade, porém o recurso foi negado. Diante de todos esses fatos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que houve falências graves do Estado brasileiro diante das diligências que deveriam ter sido feitas para trazer justiça para o crime, já que os suspeitos foram identificados inclusive por testemunhas oculares, e não houve condenação ou sequer julgamento. Além disso, a corte concluiu que o caso está em um contexto de “impunidade estrutural relacionado a ameaças, homicídios e outras violações de direitos humanos contra os trabalhadores rurais e seus defensores no Estado do Pará”. Também consideram que houve negligência dos operadores judiciais.

E o que isso significa?

A Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou diversas medidas de reparação que não são relacionados somente ao caso, também trazem uma memória importante de diversos defensores e defensoras de direitos humanos que morreram por realizarem essa defesa importante.

(1) criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las;

(2) publicar o resumo oficial da Sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a Sentença, na íntegra, no sítio web do Governo Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará;

(3 realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso;

(4) criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta;

(5) criar e implementar um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos;

(6) revisar e adequar seus mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos; e

(7) pagar as quantias fixadas na Sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.

A mensagem dessa decisão não é somente sobre o caso de Gabriel Sales Pimenta e a luta de sua família por justiça. A Corte destacou que o trabalho de quem atua na defesa dos direitos humanos é “fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito”, e no documento final fala também da necessidade de erradicar a impunidade de crimes e atos de violência contra essas pessoas, especialmente porque leva a um medo coletivo, na sociedade, de realizar a defesa pelos Direitos Humanos com crimes contra esses defensores impunes.

A decisão foi considerada histórica por Helena Rocha, codiretora do programa para o Brasil e Cone Sul do CEJIL, organização que levou o caso à Corte, e também por José Batista, advogado do CPT em Marabá, que apontou que isso é o começo apenas, e que há um longo caminho a percorrer na proteção de defensores de direitos humanos. Gabriel Pimenta também considerou a decisão uma grande vitória para defensoras e defensores de direitos humanos e quem trabalha na defesa de trabalhadores rurais.