Padre Júlio Lancelotti e o senador Fabiano Contarato, autor do projeto, dizem que o veto de Bolsonaro deve ser derrubado

Foto: Henrique de Campos

Nos últimos dias de seu mandato, Jair Bolsonaro (PL) vetou integralmente, nesta terça-feira (13), o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional chamado de “Lei Padre Júlio Lancellotti”, que proibiria a chamada “arquitetura hostil” – construções para afastar pessoas do espaço público e dificultar o acesso de grupos como idosos, crianças ou pessoas em situação de rua.

O veto foi publicado na edição desta quarta-feira (14) do “Diário Oficial da União (DOU)”.

Entre os exemplos de arquitetura hostil, estão os espetos pontiagudos instalados em fachadas comerciais, pavimentação irregular, pedras ásperas, jatos de água, cercas eletrificadas ou de arame farpado e muros com cacos de vidro.

O autor do projeto, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), informou que não se surpreendeu com o veto de Bolsonaro, pois o presidente “nunca disfarçou sua repulsa aos vulneráveis”. Contarato afirmou que o Congresso vai derrubar o veto. Se os parlamentares decidirem restaurar a proposta, o texto é promulgado pelo próprio Congresso e se torna lei.

O padre Júlio Lancelotti também não se surpreendeu com o veto de Bolsonaro por se tratar de uma questão que envolve pessoas mais pobres, descartada durante este governo. “O que nós esperamos firmemente é que o Congresso Nacional consiga derrubar este veto e promulgar esta lei, porque ela é um sinal importante de superação da violência e hostilidade contra a população em situação de rua”, disse.

A homenagem ao Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, é por sua luta contra intervenções que impedem o uso dos espaços por moradores de rua. O sacerdote costuma usar as redes sociais para criticar o uso de pedras, grades e espetos de ferro pelas prefeituras para inibir a ocupação destes espaços de forma discriminatória.

Em 2021, o papa Francisco também denunciou a chamada “arquitetura hostil” contra os mais pobres.

O projeto de lei tratava especificamente dessas instalações em áreas públicas – feitas pela prefeitura ou por associações de moradores, por exemplo. O texto não proibia instalações similares em espaços privados, como as cercas elétricas de condomínios ou as grades pontiagudas de lotes residenciais.


https://twitter.com/orlandosilva/status/1602820852080418816
 

As razões do veto

Segundo material divulgado pelo governo federal, o veto de Bolsonaro “preserva a liberdade de governança da política urbana”.

De acordo com o governo, Bolsonaro decidiu barrar o texto por avaliar que o projeto “poderia ocasionar uma interferência na função de planejamento e governança local da política urbana, ao buscar definir as características e condições a serem observadas para a instalação física de equipamentos e mobiliários urbanos, a fim de assegurar as condições gerais para o desenvolvimento da produção, do comércio e dos serviços”.

O Palácio do Planalto argumenta, ainda, que a expressão “técnicas construtivas hostis” poderia gerar insegurança jurídica “por se tratar de um conceito ainda em construção”.

O que diz o projeto vetado

A proposta altera o Estatuto da Cidade para proibir “o emprego de materiais, estruturas equipamentos e técnicas construtivas hostis que tenham como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população.”

O texto também inclui como diretriz geral da política urbana a promoção de conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado.”

Relator na Câmara, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) afirmou em seu parecer que a pandemia da Covid-19 agravou o distanciamento entre os espaços públicos e pessoas em situação de rua.

Paralelamente, segundo o parlamentar, passou a ser mais evidente a adoção de métodos e materiais para afastar as pessoas dos espaços públicos – técnicas que, o deputado ressalta, resultam em “segregação social”.

“Infelizmente, o Brasil possui exemplo de aplicações dessas técnicas, as quais vêm sendo implantadas pelo menos desde 1994, quando aqui surgiu a expressão ‘arquiteturas antimendigo'”, escreveu em seu relatório.

Para o deputado, as medidas são “extremistas, hostis e cruéis para todos os ocupantes da cidade” e “privilegiam o isolamento, o desconforto, o medo e, com isso, estimulam a violência”.

Com informações do G1

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