Por Hellen Sacramento

Os pacientes que necessitam dos medicamentos inibidores do vírus do HIV relatam uma redução na distribuição pelo Sistema Único de Saúde. O medicamento Lamivudina de 150 mg é, normalmente, distribuído aos pacientes para um tratamento de 90 dias. Com os cortes de orçamento, os postos de saúde foram aconselhados a dar a quantidade para no máximo 30 dias.

O Lamivudina 150 mg é utilizado diariamente pelos pacientes, como um potente inibidor do vírus do HIV. Ele deixa o vírus indetectável no sistema imunológico. Com o tratamento é possível evitar o desenvolvimento da Síndrome de Deficiência Imunológica Adquirida –  AIDS. O remédio distribuído gratuitamente pelo SUS custa, em média, R$800 nas farmácias.

O Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, no início do mês, liberou uma nota circular comunicando que teria sua aquisição modificada de forma excepcional e temporária, até que o estoque fosse regularizado. A justificativa da redução foi que a demanda pelo medicamento aumentou consideravelmente e os laboratórios não estão conseguindo acompanhar.

Cortes Orçamentários

O Governo de Jair Bolsonaro cortou R$407 milhões da saúde pública, no Plano de Diretrizes Orçamentárias Anual (PLOA) de 2023, previsto para votação final em dezembro, logo após a decisão das eleições presidenciais. O desfalque orçamentário afetou diretamente o programa de Atendimento à População para Prevenção, Controle e Tratamento de HIV/AIDS, outras Infecções Sexualmente Transmissíveis e Hepatites Virais Total. 

O programa de atendimento à população faz parte da assistência farmacêutica do SUS e auxilia nas testagens com exames rápidos, e também atua na capacitação dos profissionais de saúde em todas as unidades de atendimento, com o objetivo de mantê-los bem capacitados para ajudar a população. 

“É um descaso com a saúde e com a história recente do país. O Brasil teve uma resposta exemplar à Aids em anos anteriores. Por que cortar em um programa que é exemplar e que tem repercussão em outras patologias?”, questiona Veriano Terto Junior, vice-presidente da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), responsável pelo Observatório Nacional de Políticas de Aids, em entrevista ao jornal O Tempo.

Veriano afirma que sua preocupação é que o corte afete a manutenção do programa atual de distribuição de medicamentos. Ele cita a compra de lamivudina, fármaco utilizado em diferentes esquemas de tratamento antirretroviral – incluindo os esquemas simplificados como: lamivudina associada a dolutegravir; lamivudina associada a darunavir e ritonavir – cuja demanda aumentou nos últimos meses levando ao racionamento.

Protestos

Na última sexta-feira (21), pacientes e ativistas realizaram um movimento contra o corte orçamentário da saúde em frente ao Theatro Municipal, no centro de São Paulo. O protesto contou com Fórum de ONGs/Aids de São Paulo, o Movimento Paulistano de Luta Contra Aids (Mopaids), a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+) e o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP). 

Durante o ato na cidade, os manifestantes empunharam faixas com escrito: “Inadmissível: corte nos recursos financeiros para políticas de Aids e da Saúde” em defesa da preservação do Sistema Único de Saúde. Os ativistas também divulgaram um relato:

“Somos 1 milhão de pessoas vivendo com HIV/Aids e dizemos não ao retrocesso e a essa política de morte proposta pelo atual governo. A Aids continua sendo um grave problema de saúde pública. A cada hora, 5 pessoas foram infectadas pelo HIV no Brasil em 2021, segundo dados do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids)”, diz o texto.

Descaso com os pacientes

O racionamento afeta a segurança de 700 mil pessoas em todo o território que tem dificuldade de manter o tratamento, pois a quantidade de medicamento que está sendo distribuído tem doses para apenas 30 dias. Em alguns estados, está sendo distribuído apenas o suficiente para uso por 7 ou 10 dias.

Um paciente de Santos (SP), 38 anos, relatou ao Mídia NINJA: “Há 2 meses, quando fui coletar meu medicamento no secraids (Centro de Referência em AIDS), foi me dado (medicamento) para um mês somente, eu já achei estranho. Como eu participo de vários grupos com pessoas positivas, fui perguntado… Até que foi constatado, que, de fato, estava ocorrendo um desabastecimento em nível nacional. Eis, que fui essa semana (dia 19) e para minha surpresa, me deram medicamento fracionado com o pote aberto para apenas 10 dias.”

O paciente que utiliza os medicamentos há 6 anos disse que sempre lhe é entregue o esquema de medicação para 2 à 3 meses, e mesmo durante a pandemia nunca houve o fracionamento, como acontece agora.

“Isso nunca aconteceu comigo. Eu fiquei muito assustado, perguntei para a farmacêutica, e ela disse que existe um problema de abastecimento, e eles tiveram que fracionar o medicamento, pois não haveria medicamento para todo mundo. A solução temporária é essa, e sem previsão de normalização do estoque.” Segundo o paciente, a preocupação é que com a falta do Lamivudina eles teriam que retardar ao Tenofovir, um esquema mais arriscado à saúde com problemas ósseos e reumáticos como efeitos colaterais.

No Twitter, dezenas de outros pacientes também relataram a falta do medicamento e a angústia gerada pelo racionamento, além de médicos que fazem a denúncia do corte.