Arquivo Pessoal

Por José Carlos Almeida

Da periferia de Guarulhos para uma das universidades mais prestigiadas do mundo. Essa é a trajetória de resistência inspiradora de André Menezes, homem negro, de 34 anos, que se tornou mestre em Administração pela Universidade de Harvard, fala três idiomas e hoje é Program Manager da Nubank.

Nascido e criado na periferia de Guarulhos no bairro dos Pimentas, assim como as demais crianças negras do seu bairro, seu sonho era se tornar um jogador profissional de futebol, e sobreviver meio a violência e a falta de direitos básicos, assim, superar as estatísticas cruéis que pessoas negras e principalmente a juventude negra periférica enfrenta.

Em entrevista aos Estudantes NINJA, Menezes contou que sempre foi um amante da música.

“Ainda durante a minha infância e adolescência eu ouvia muito Racionais MC’s. As músicas dos Racionais refletiam muito a minha realidade. A realidade de um jovem preto de periferia tentando não ser mais uma vítima das cruéis estatísticas. O bairro dos Pimentas, na época em que eu morei lá, era um bairro muito perigoso. Muitos dos meus amigos e colegas que moravam perto ou foram presos, ou morreram. Durante a minha infância eu joguei muita bola na rua e nas quadras de futebol do meu bairro. E como outros garotos, sonhava em ser jogador de futebol.”

André Menezes é filho de José Menezes e Edna Correia da Silva Menezes -já falecida-, donos de uma locadora de filmes. Pela condição de seus pais, André estudou em escola particular onde ele relatou ter sofrido inúmeros episódios de racismo. Na escola, era muitas vezes a única criança negra no espaço escolar.

“Meu pai e minha mãe tinham uma locadora, o que me deu o privilégio de estudar em escola particular. Me lembro de sofrer muito preconceito na escola, por ser praticamente o único menino preto por lá. Ouvia piadas o tempo todo. E naquela época me faltava muita referência. Até sonhar era muito difícil por falta de referência. Eu sempre era o último a ser escolhido no jogo de futebol, sempre o último a ser escolhido nos bailes da escola, raramente tinha companhia para as festas na escola. Perdi as contas de quantas vazias fui parado pela polícia no meu bairro e a recomendação era, baixar a cabeça e nunca confrontar.”

Com o avanço da internet a locadora de filmes de seus pais passou a ter sérios problemas financeiros o que levou André Menezes a trabalhar na feira para manter seus estudos.

“Para poder manter minha escola e meu curso de inglês eu fui trabalhar na feira livre vendendo laranjas, isso aos 16 anos de idade. Eu levantava por volta de 04:30 da manhã para montar a barraca e vender laranja. Por volta das 15h eu voltava para casa, descansava um pouco e depois ia para escola. Aos sábados, após a feira eu ia para o curso de inglês. Por diversas vezes, tive que dormir no caminhão no meio das frutas na tentativa de descansar um pouco”, contou Menezes.

A mãe de Menezes era seu principal porto seguro, sua conselheira, ela faleceu em 2009, vítima de um câncer, quando ele tinha 21 anos de idade. A morte de sua mãe foi um momento muito difícil de sua vida, mas Menezes conta que reuniu forças e seguiu seu propósito inclusive inspirado pela força de sua mãe, que mesmo com câncer iniciou um curso de pedagogia.

“Com a morte da minha mãe eu decidi que eu ia continuar seguindo os conselhos que ela sempre me deu, de estudar para mudar a minha realidade e da minha família. Depois de sua morte, eu decidi que iria seguir esse propósito de mudar a minha realidade e da minha família com muito afinco através dos estudos. A minha mãe ainda com câncer iniciou uma faculdade de pedagogia, eu me lembro que eu fiz um requerimento para poder solicitar que ela fizesse aulas online por conta da doença. Tudo isso me inspirou muito a me dedicar aos estudos e a minha carreira depois que ela faleceu”, disse.

Veja a entrevista completa feita pelos Estudantes NINJA com o mestre em Administração André Menezes:

Estudantes NINJA (EN): Em qual faculdade você se formou no Brasil?

André Menezes (AM): Eu fiz faculdade de Turismo na Universidade de Guarulhos e depois eu fiz uma transição de carreira para Tecnologia da Informação e então fiz um MBA na FIAP em Gestão de Tecnologia da Informação. Além disso, eu tenho diversas outras, dentre elas, em Gestão de Projetos pelo PMI e também sou Black Belt Lean Six Sigma, uma certificação de Gestão de Processos e eu falo 3 idiomas, português, inglês e espanhol.

EN: Ainda sobre sua trajetória acadêmica, qual curso e qual escola de Harvard você estava vinculado?

AM: Eu fiz o curso de Mestrado em Libertal Arts focado em Administração. O título em inglês, seria, Master of Liberal Arts (ALM) in Extension Studies, field: Management. Esse curso é ministrado pela escola de Harvard chamada, Harvard Extension School. A Harvard Extension School é uma escola de Harvard, assim como a Harvard Medical School, Harvard Business School, dentre outras.

Por se tratar de um curso flexível, onde os alunos podem fazer algumas matérias online, o curso é bem concorrido, por pessoas do mundo todo. O curso abrange cursos como, Micro Economia, Contabilidade, Liderança, Marketing, dentre outros.

O curso é composto por 12 matérias, um total de 48 créditos. O custo total desse curso em U$ é aproximadamente U$37K dólares o que hoje em reais seria aproximadamente, R$194 mil reais. Porém, ainda somando custo de livros, materiais, custos com viagens para Boston, esse valor pode chegar na casa dos U$50 mil dólares ou aproximadamente R$260 mil reais. Dessas 12 matérias, no mínimo 4 você precisa fazer no campus.

Entre os alunos notáveis da universidade estão Alvaro Uribe Velez, presidente da Colômbia entre 2002 e 2010.

EN: Como foi fazer mestrado em Harvard? Quais desafios você encontrou? Quais os momentos de alegria e felicidade?

AM: Para mim foi uma experiência muito incrível. O curso é muito puxado, com matérias muito densas e complexas. A quantidade de leitura e escrita requerida é muito grande. Eu me lembro que tinha que ler muitos artigos todas as semanas. Antes das aulas eu tinha que ler livros e business cases e discutir com os outros alunos. É muito enriquecedor discutir um business case com uma pessoa de outro país e ter uma outra perspectiva. Me lembro de discutir business cases com pessoas de Israel, Inglaterra, Colômbia, dentre outros países. Eu morei em Boston durante alguns meses em 2017 para fazer algumas matérias no campus. Eu já tinha tudo planejado para voltar em 2020, porém devido à pandemia não foi possível voltar.

Assim como, tive aulas com professores brilhantes com trajetórias incríveis. Por exemplo, na matéria de Liderança, eu tive aula com John Paul Rollert no campus de Harvard. John Paul trabalhou para o presidente Barack Obama e para o secretário-geral das Nações Unidas.

Um dos grandes desafios no início do curso foi me acostumar com as aulas na Universidade de Harvard. Foi a primeira vez que fazia aulas completamente em inglês em uma universidade. Harvard faz parte da Ivy League um grupo seleto das faculdades mais prestigiadas dos Estados Unidos, então pode-se imaginar a exigência requerida durante as aulas e entregas.

Então, foi um desafio me acostumar. Porém, Harvard contava com uma gama de benefícios e fóruns para ajudar os alunos. Por exemplo, quando eu fui escrever o meu primeiro artigo eu tive ajuda de alunos veteranos, através de um grupo.

Um momento de grande alegria, foi quando eu recebi a minha carta de admissão pelo correio. Foi uma felicidade indescritível. Outro grande momento de alegria foi quando eu entrei na biblioteca Widener. A biblioteca de Harvard chamada Widener é uma das principais bibliotecas da Universidade. Ela fica no campus de Harvard em frente a Harvard Square. A biblioteca é enorme e conta com mais de 3.5 milhões de livros.

Um outro grande momento foi durante a cerimônia da graduação, que aconteceu no campus de Harvard em Boston, Massachusetts. A cerimônia é muito grandiosa e conta com todas as escolas de Harvard. Durante a cerimônia tive o privilégio de ouvir uma palestra da Primeira Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern. A cerimônia contou com outros palestrantes como, por exemplo, o presidente da Universidade de Harvard. O meu irmão, sobrinho e cunhada assistiram à cerimônia, o que foi outro grande motivo de alegria.

Me lembro que já vestido com a beca eu fui até uma farmácia antes da cerimônia começar, e todo mundo que me via, fazia questão de cumprimentar e me dar os parabéns. Foi uma sensação muito gostosa que me deu uma noção melhor do tamanho do meu feito.

EN: conta para nós como foi o processo para passar. Você contou com o apoio da sua família?

AM: O processo de Application é parecido com outras faculdades americanas. Eu iniciei o processo fazendo a prova do TOEFL. O TOEFL é um exame que avalia a proficiência em inglês é um dos exames de proficiência em inglês mais respeitado do cenário mundial. Esse exame avalia o conhecimento do candidato na língua inglesa. Ele visa avaliar a capacidade de falantes não nativos da língua inglesa de usar e compreender o inglês no nível acadêmico. Esse exame vai de 0 até 120 e para estudar na Harvard Extension School o aluno precisa tirar no mínimo 100. Eu tirei 108.

Passado esse processo, eu enviei vários documentos para a universidade, dentre eles meu histórico escolar, diploma das minhas graduações. Porém, o envio é muito complexo, é necessário enviar por uma empresa indicada por Harvard, chamada CED Center of Educational Documentation.

Feito isso, a universidade te solicita fazer 3 cursos mandatórios, Microeconomia, Contabilidade e Organizational Behavior. O aluno precisa no mínimo tirar B+ e manter um GPA de no mínimo 3.0. Feito isso, o aluno pode finalmente submeter a application considerando os prazos. Junto da application, a universidade recomenda uma carta de recomendação de algum professor. Assim como, durante a application o aluno precisa preencher um documento dizendo por que quer fazer o curso e como ele/ela vai agregar valor. E então é esperar a resposta.

Sim, eu sempre tive muito apoio da minha família. Meu pai, meu irmão sempre tiveram muito orgulho de mim e sempre me apoiaram.

EN: Como você avalia o impacto da sua trajetória na vida de outras pessoas negras? Você acha que sua luta e suas conquistas ajudam outras pessoas negras a sonharem?

AM: Eu acredito que referências e representatividade são muito importantes. Eu quando era jovem na feira não tinha referências pretas. Me lembro que quando eu ligava a televisão só via gente branca de sucesso, quando olhava pra cima, não conseguia me ver lá. Então, por isso eu tive muita dificuldade de me ver em uma posição melhor. Parecia haver um muro invisível só eu conseguia ver. Parecia que aquele lugar de sucesso não foi criado pra mim. Eu me lembro que a vitória do Barack Obama para presidente foi um grande marco pra mim. A vitória dele representou muito para mim em termos de representatividade.

Então, quando eu conto a minha trajetória para outros jovens negros, eu quero passar uma mensagem de que podemos sonhar, de que precisamos acreditar. Ao mesmo tempo, é muito importante planejar, sonhar só não é suficiente. A gente precisa sonhar, ter objetivos e ter planejamento.

Acho importante também mencionar que eu tive muita ajuda durante toda a minha trajetória. Muitas pessoas, desde amigos, colegas de trabalho me ajudaram. Quando eu me formei e fiz questão de mandar mensagem para várias pessoas agradecendo a ajuda que me deram durante essa trajetória.

Acho também importante enfatizar o quanto a morte da minha mãe me impactou. O meu maior medo na vida era perder minha mãe e quando isso aconteceu eu simplesmente perdi o chão e quase me perdi na vida. Graças a influência dela e as palavras eu escolhi estudar. Quando ela ainda estava doente, eu ia trabalhar, passava no Pérola Byington, o hospital que ela ficou internada para ver ela todo dia. Eu levava meus livros da faculdade pra estudar do lado dela. Eu lembro que na fase mais crítica da doença, ela já inconsciente, entubada, eu tinha prova de estatística para fazer e levei o livro pra estudar do lado dela.