Segundo estudo sobre insegurança alimentar, o número total de pessoas que não têm o que comer em casa subiu de 19,1 milhões, no final de 2020, para 33 milhões, em abril de 2022

Registro no Ceará mostra pessoas procurando restos de comida na caçamba de um caminhão de lixo. Foto: Reprodução

Enquanto Jair Bolsonaro (PL) diz a “fome no Brasil não existe da forma como é falado”, a fome dobrou nas famílias com crianças de até dez anos nos últimos dois anos de seu governo. Segundo estudo sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil, lançado em junho deste ano, o número total de pessoas que não têm o que comer em casa subiu de 19,1 milhões, no final de 2020, para 33 milhões, em abril de 2022, com a pandemia e o abandono de políticas sociais e o aumento da desigualdade social no país.

Os números contradizem com a recente declaração de Bolsonaro de que há exagero no levantamento que aponta a existência de 33 milhões de brasileiros famintos no Brasil. O atual mandatário não se sensibiliza com o crescimento no número de pedintes, de pessoas em situação de rua ou vasculhando o lixo atrás de comida e prefere mentir sobre a situação do país que voltou para o mapa da fome e regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.

Porém, a realidade ignorada por Bolsonaro foi captada pelo estudo sobre insegurança alimentar realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com execução em campo do Instituto Vox Populi. A iniciativa, batizada de II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, conta com o apoio das organizações não-governamentais Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e do Sesc.

Insegurança alimentar

Os números do relatório são alarmantes e mostram que no Brasil de Bolsonaro, apenas quatro em cada dez domicílios conseguem manter acesso pleno à alimentação – ou seja, estão em condição de segurança alimentar. Os outros seis lares se dividem numa escala, que vai dos que permanecem preocupados com a possibilidade de não ter alimentos no futuro até os que já passam fome. O número total de pessoas que não têm o que comer em casa subiu de 19,1 milhões, no final de 2020, para 33 milhões, em abril de 2022, com a pandemia e o abandono de políticas sociais e o aumento da desigualdade social no país, conforme a pesquisa. A fome dobrou nas famílias com crianças de até dez anos nesse período.

O relatório também ressalta que mais da metade – 58,7%, da população brasileira convive com a fome em algum grau – leve, moderado ou grave fome. O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990. Foram feitas entrevistas em 12.745 lares brasileiros, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. O nível de insegurança alimentar foi medido pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), metodologia também utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Perfil dos famintos

A fome tem lugar, gênero e cor. As regiões Norte e Nordeste – justamente aquelas onde Bolsonaro patina nas pesquisas – são mais afetadas. No Nordeste, 21% das famílias vivem em insegurança alimentar; no Norte, 25,7%. O menor percentual é registrado no Sul, 10%. As mulheres são as mais impactadas: 64% dos lares onde falta comida são comandados por mulheres. Brasileiros pretos e pardos constituem 65% do contingente em insegurança alimentar.

A fome é maior onde o chefe de família está desempregado (36,1%) ou tem emprego informal (21,1%) . Nos domicílios em que o chefe da família trabalha com carteira assinada, a segurança alimentar chega a mais da metade (53,8%).

Desde a pandemia, ficou visível o crescimento da população em situação de rua, de pedintes, de pessoas que reviram o lixo em busca de restos de comida em todo o país. Estabelecimentos comerciais passaram a vender produtos como soro de leite, feijão partido, arroz quebrado, ossos, carcaça de peixe e pele de frango.

Paradoxalmente, a fome cresce no campo. No país do agronegócio, até quem produz alimento está pagando um preço alto: a fome atingiu 21,8% dos lares de agricultores familiares e pequenos produtores. A pobreza das populações rurais associada ao desmonte das políticas de apoio às populações do campo, da floresta e das águas, seguem impondo escassez.

Mapa da fome

A Organização das Nações Unidas (ONU) recolocou este ano o país no mapa mundial da fome. Um país entra nessa classificação quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos. No Brasil, a fome crônica atingiu 4,1% e, pelo levantamento, a situação no país é mais grave do que a média global.

Entre os problemas que fizeram a fome aumentar no Brasil, os especialistas apontam o aumento das desigualdades, a disparada do preço dos produtos alimentícios, a dificuldade de produção de alimentos e a redução de políticas públicas nos últimos anos.

“Já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013, reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros. As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”, avalia Renato Maluf, Coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).

Confira a entrevista em que Bolsonaro minimiza a fome no país:

https://twitter.com/jnascim/status/1563315875138023425

Com informações de Eson Sardinha, do Congresso em Foco