Depois de Pulmão e Terreiro, O Mito e a Caverna é o terceiro single do projeto ÀIYÉ, da artista Larissa Conforto. O spoken word é um feat entre Larissa e o compositor e produtor mineiro, Vitor Brauer. Em 2018, no período pré-eleitoral, eles fizeram uma turnê juntos na qual passaram quase três meses em um Corsa 96, militando pela consciência política, de norte a sul do Brasil. A faixa, que também conta com guitarras de Gabriel Ventura (Ventre), foi composta durante esses dias pelas estradas do país e chega hoje (13) em todas as plataformas streaming com videoclipe dirigido por André Morbach. Dia 20 de Março, ela também estará no EP Gratitrevas, que ÀIYÉ vai lançar pela Balaclava Records.

Com uma mensagem política bem direta, a letra faz uma reflexão sobre o fogo, a queima, a perda de memória paralela à construção de um mito, e se relaciona diretamente com o Mito da Caverna do filósofo grego Platão, no livro A República. Trata-se de uma história alegórica que se passa dentro de uma caverna onde prisioneiros vivem desde a infância. Com as mãos amarradas e presas em uma parede, eles podem enxergar somente as sombras que são projetadas na parede situada à frente e que são ocasionadas por uma fogueira, em cima de um tapume, situada na parte traseira da parede onde estão os presos. Enquanto pessoas passam em frente a fogueira, fazem gestos e formam sombras que, de maneira distorcida, manipulam todo o conhecimento que os prisioneiros tinham do mundo. Até que uma dessas pessoas consegue se libertar e descobre o mundo exterior e as infinitas formas de conhecimento e convivência. “E, assim, esse prisioneiro se encontra com a natureza, as formas reais, a verdade. Junto com essa descoberta, nasce a fraternidade. A pessoa que descobre a verdade não quer viver sozinha nesse novo mundo. Ela quer dividir essa experiência com seu povo, e volta para buscá-los, para contar-lhes o que descobriu. Mas, então, quando confrontados com essas novas idéias, os outros prisioneiros não aceitam. Eles defendem as próprias correntes, porque é tudo o que conhecem. Mas, como diz a letra da música ‘os mitos caem por terra, um após o outro, quando encontram a verdade / e a verdade chega, minha amiga, ainda que tarde’”, completa Larissa.

A música é uma parceria com Vitor Brauer, compositor e produtor mineiro com o qual a artista esteve por quase três meses na estrada, no período pré eleições, em 2018. “Vestimos vermelho e falamos sobre nos unir e exercer a mudança para além do voto e da política institucional. Discursamos sobre a importância dos encontros, da gente se fazer presente, e trocar informações. Sabe, essa turnê pra mim foi uma militância”, lembra. Um dos pontos altos da viagem foi quando se depararam com uma queimada de longa extensão durante o percurso, logo após receberem a notícia do incêndio no Museu Nacional. “A imagem do fogo queimando os milhares de corpos empilhados, que não conseguem se mover, começa no incêndio do museu, e reflete as consequências desse desgoverno genocida que assombra o nosso país”, afirma a artista.

A ideia do clipe surgiu da performance que AIYE realizou no Centro Cultural da Terra (São Paulo), na qual ela criava loops com beat e voz, enquanto em um telão reproduzia a tela do computador no qual Larissa buscava no Google por palavras e idéias que tinham a ver com a lua que estava no céu, sob o arcano Xlll (a Lua).

A artista conta que o fio condutor para a pesquisa do vídeo foi buscar imagens, notícias e materiais que expressassem o momento atual do planeta, denunciando o desmonte do país provocado pelo desgoverno do discurso de ódio, linkando isso com acontecimentos da História, além dos símbolos e discursos que se repetem de tempos em tempos e assombram os Direitos Humanos. “Por outro lado, a mensagem é de esperança. De que juntos podemos mudar as coisas, quebrar os padrões, transformar o paradigma”, reforça. “Cada corte do clipe tem muitos símbolos escondidos. As cenas são cheias de detalhes que se comunicam, minuciosamente. Vale assistir várias vezes, dar zoom, ver de trás pra frente”, completa a artista.

André Morbach, além da direção, também assina o roteiro e montagem, enquanto Felipe Macedo (BTFLY Coletivo) ficou responsável pela animação e finalização da obra, que utilizou técnicas mistas: captura de tela somada com animação 2 e 3D. “A Lari me falou da ideia, mostrou um trecho da performance e a partir disso comecei a pesquisa e o roteiro. O exercício político no Brasil tem se resumido muito ao rolar os dedos no smartphone: as plataformas digitais se tornaram nosso cativeiro naturalizado. A intenção do clipe, de simular a navegação de uma pessoa na internet, foi falar sobre esse uso. É preciso se manter mais consciente do que está por trás dessas ferramentas, se apropriar delas, e extrapolar esse ambiente. Eu quis costurar essa linha do tempo de uma experiência virtual que tenta se posicionar diante desse desgoverno e do terror institucional que nos assombra e adoece. Todo o conteúdo foi tirado de notícias e vídeos da internet, ou captado através dessas mesmas ferramentas”, explica André.

Sobre Gratitrevas

Gravado entre Brasil e Portugal, Gratitrevas é uma espécie de renascimento da artista após o fim da banda Ventre, da qual Larissa fez parte durante seis anos e que realizou o último show no palco do Lollapalooza, em 2017. Transformando dores e exaltando curas, o disco terá oito faixas e será lançado no primeiro semestre de 2020 pela Balaclava Records.

Enquanto isso, Larissa segue divulgando suas novas músicas em shows de pré-lançamento. Até o momento, já passou por Lisboa, New York, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte.