Tanto as cores são de todes como as torcidas também são plurais

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Por Renata Renovato e Brena Kelly

Logo no início da Copa do Mundo houve uma série de comentários e postagens a respeito de como iríamos torcer de verde e amarelo para a seleção brasileira, em meio aos turbilhões antidemocráticos representados pelas cores da bandeira do Brasil. Após as eleições surgiram os fantasmas de uma Copa carregada de simbolismos negativos e contrariedades. Muita gente pareceu não querer torcer para a seleção para não ser confundida com os autointitulados “Patriotas”, houve também quem pareceu estar em meio ao caos energético, por muito ter se desgastado ao longo das campanhas dos candidatos à eleição. No segundo turno, que veio com tudo, muitos de nós fomos levados pela esperança na democracia e pelo pavor da possibilidade de uma reeleição claramente antidemocrática. Posso dizer que, para muitos de nós, o espaço que durou entre o primeiro e o segundo turno pareceu infindável.

Findadas as eleições e iniciados os preparativos para a Copa do Mundo, éramos então, remanescentes de uma intensa batalha, que é sempre bom lembrar, ainda não encerrou, e esta batalha foi aos poucos se tornando uma necessária e bem vinda esperança, como uma nova forma de torcer. Ficou claro que esta Copa em um país sede questionável, por sua política monárquica sunita wahhabista, trouxe muitas leituras, pesquisas e principalmente, engajamento. Para além da nossa torcida pela seleção brasileira, nossa busca de informação a respeito do país sede (de seu tratamento dado às mulheres, aos estrangeiros e aos trabalhadores nas construções dos estádio), mostraram o alcance de uma Copa, de sua relação com a política e principalmente com a representação dos países que, ao jogarem futebol, levam para os estádios não apenas as bandeiras de suas nações, mas principalmente, suas relações internas e externas. Afinal de contas, quem não viu africanos, haitianos e jamaicanos torcendo pela seleção brasileira nos vídeos que circulavam, pela internet, além dos muitos outros vídeos produzidos por nossos conterrâneos usando as cores do Brasil sem medo, ou melhor, com orgulho?

Apesar de as torcidas terem se formado, aqui no Brasil, timidamente, devido ao cenário político e social, foi o crescimento deste sentimento de pertencimento e esperança que nos fez enxergar que as cores da seleção brasileira representam muito mais do que um grupo de pessoas hostis à democracia. Logo no início da Copa, o então eleito Presidente Lula nos enviou uma mensagem clara: “Um aviso importante pra vocês: a Copa do Mundo começa daqui a pouco e a gente não tem que ter vergonha de vestir camisa amarela”. E este recado ficou ainda mais forte com o passar dos jogos da Copa e principalmente da seleção brasileira. A cada vitória da seleção estava Lula comemorando ao lado de Janja, futura primeira dama e de seus companheiros de partido, e muitos outros brasileiros e brasileiras estampando as cores que representam a seleção.

Tanto as cores são de todes como as torcidas também são plurais. E, por isso, encontramos uma série de pessoas demonstrando sua representatividade tanto na torcida pela seleção quanto no amor pelo futebol. Na semana que antecedeu aos jogos da Copa, havia um grande grupo de pessoas jogando, na praia, em um campeonato de futevôlei com as cores da seleção brasileira. O evento que era um campeonato misto, promovido por uma escolinha de futevôlei, segundo um dos donos da escolinha, foi promovido para homenagear a Copa do Mundo, para incentivar a torcida pela Copa. Ele informou que o campeonato reunia 36 duplas, entre elas duplas mistas, e que entre jogadores e jogadoras estava uma dupla de um homem de 71 anos e outro de 63. A escolinha fica na praia da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, mas havia duplas de várias regiões da cidade, Bento Ribeiro, Freguesia, Recreio dos Bandeirantes, entre outros locais.

A torcedora cearense Tayná de Souza de 16 anos em entrevista ao ninja esporte clube falou sobre a importância de sua torcida pela copa com outras 5 meninas juntas vestidas de verde e amarelo. A estudante, que faz parte do Coletivo Revide (Revolução, Vida, Direitos Humanos e Educação) formado por ela e suas amigas dentro da escola, nos falou sobre sua relação com a Copa do Mundo. Ela diz que sempre assistiu aos jogos da Copa com outras meninas, amigas e primas. Segundo ela, a Copa que mais marcou foi a de 2014. Disse que utilizar as cores da seleção é uma tradição brasileira que ela sempre seguiu. Ela disse ainda que ela e suas amigas adoram festejar durante a copa e que sempre usaram e abusaram das maquiagens nas cores da seleção.

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O Designer carioca Alexandre Marcellino Vellozo de 28 anos, que desde os preparativos para copa andava nas ruas com a camisa da seleção brasileira, deu a seguinte declaração: “Pra essa copa especificamente foi tudo muito diferente. Acredito que pra muita gente, assim como pra mim, passou e passa pela cabeça o tanto de situações problemáticas que temos durante o Catar. Mas acho que o sentimento de Copa do Mundo é maior que o catar, que Neymar, que CBF, Bolsonaro, etc. E por isso eu acho que é a oportunidade perfeita pra voltarmos a usar o verde e o amarelo, a bandeira e a camisa”, disse.

Sophia, jogadora trans do Ceará (19), nos falou um pouco sobre sua relação com o futebol, disse que frequenta hoje projetos de base e que joga com outros meninos, e o tratamento destes meninos a ajuda muito. Disse também receber de outras meninas bastante apoio. Mas pensa que deveria haver políticas públicas para o público T, pois é importante que haja mais trans e travestis no meio do futebol, representando suas identidades nos esportes. Que isso deve ser feito sem opressão, com inclusão: “Em ano de copa do mundo precisamos nos conscientizar que todos os corpos de homens e de mulheres trans e travestis  que estar onde eles quiserem, estamos na luta para aprender e incentivar outras a procurar serem felizes no esporte que quiserem.”

A seleção brasileira já não está mais na Copa desde o dia 9 de dezembro, eliminado nos pênaltis no jogo contra a Croácia. Mas, apesar da eliminação e do gostinho do hexa ter ficado amargo, vemos que hoje nossa relação com as cores da bandeira brasileira passa por um novo e importante momento de reconstrução e ressignificação.


Texto produzido para cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube