“A adrenalina disfarçava o estômago roncando, a cerveja compartilhada com os amigos me dava esperanças”

Foto: Freepik

Por Maria Eduarda  Gonçalves

Meu avô é um homem comum, filho de um cortador de cana e uma passadeira. Cresceu em uma vila perto da lavoura, começou a trabalhar como pedreiro aos 12 anos, se casou aos 18 anos e teve quatro filhas.

Com muita responsabilidade e pouco dinheiro, o futebol foi seu companheiro desde a infância e na vida adulta seu escape da realidade. “A adrenalina disfarçava o estômago roncando, a cerveja compartilhada com os amigos me dava esperanças”, ele me dizia. Em uma reunião de trabalhadores que compartilhavam dores silenciosas, nasceu o primeiro time de Lagoa da Prata. Seu maior orgulho de vida.

Quando nasci o Brasil tinha acabado de ser pentacampeão e meu primeiro aniversário não escapou do seu grande amor. Foi uma festa para mim e para ele. Já havia passado um ano a euforia estava presente: balões, bolo e até meu vestido, tudo era da seleção. Minha mãe dizia que nunca o viu tão feliz. Gosto de pensar naquele dia, fiz uma promessa de ser sua fiel companheira nos estádios, no grito e na vibração.

Quando tinha 5 anos, implorei para acompanhar os jogos do Ferroviário e no maior jeitinho brasileiro, meu avô conseguiu convencer minha mãe. Desde então, acompanhei todos os campeonatos, o ônibus balançava e o pandeiro estralava. Ganhei o apelido de bolinha de ouro porque dava sorte. Foi assim até os jogadores ficarem cansados e velhos demais para correr tanto.

Finalmente chegou 2010 e vi seu rosto, abatido pelo fim do time do coração, se tornar eufórico. Os enfeites estavam de volta, meu avô parecia ter rejuvenescido dez anos. Presenciei, conscientemente, pela primeira vez a alegria contagiante da fotografia de meu aniversário. Não tive trégua, assisti todos os jogos ao seu lado, quando o Brasil vencia, nós vencíamos; quando o Brasil perdia, nós chorávamos.

O tão sonhado hexa não veio em 2010, não veio em 2014, nem 2018. Meu avô já está velho demais para enfeitar a casa, pular de emoção, mas a camisa amarela continua religiosamente em seu peito, o sonho continua forte. Não moramos na mesma cidade, não sou mais sua fiel bolinha de ouro. Mas, é ano de copa e fui visitá-lo e é incrível como as tradições não mudam: falamos por horas seleção e do sonho do hexa. É incrível ver o amor que meu avô sentia, agora também é meu. Torço religiosamente para hexa venha com minhas duas décadas de vida e que em seu rosto esteja novamente presente a alegria do meu primeiro ano de vida.

Texto produzido para cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube.