Por Kaio Phelipe

Yone Lindgren ajudou a parir o movimento LGBTQIAP+ no Brasil. Contribuiu com a fundação dos grupos Somos, ABL (Articulação Brasileira de Lésbicas) e o jornal O Lampião da Esquina. Yone também esteve presente na Primeira Parada do Orgulho, que aconteceu em 1993, em Copacabana, contando com apenas 30 pessoas.

Recentemente, a ativista tem sido muito procurada para a produção de documentários a fim de contar sobre sua trajetória e a história da comunidade LGBTQIAP+ tupiniquim, tendo participado de importantes produções como “Quando ousamos existir”, de Cláudio Nascimento e Márcio Caetano, “Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor”, de Luis Carlos de Alencar, e “A luta continua”, de Janice Ghiraldini e Francisco Santos, disponível gratuitamente no YouTube.

Como foi o início do grupo Somos?

Yone Lindgren  – O Somos começou, mais ou menos ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro e em São Paulo, sendo que em São Paulo a atuação sempre foi maior. Aqui, no Rio de Janeiro, a gente tinha um grande problema que era a falta de local para se reunir. Não dava para reunir mais de cinco pessoas, a polícia estava sempre de olho. Nem na casa da gente podia, já que os vizinhos também denunciavam. Quando nossos encontros aconteciam, normalmente, era na casa do Eduardo, na Rua Santa Clara, em Copacabana. A gente subia sem dar pinta e ficava lá conversando. Na rua, não dava em hipótese nenhuma. No Somos, a presença de lésbicas nunca foi grande. Nem travesti tinha no grupo, porque elas não saíam para a rua durante o dia. O Somos do Rio de Janeiro era muito ligado ao jornal Lampião da Esquina, tanto que uma de suas editoras, que era a Dolores Rodrigues, entrou para o grupo depois. Junto com ela, consegui chamar mais mulheres para participar.

Qual memória guarda da Parada de 1993?

Yone Lindgren  – Na Parada de 1993, as mulheres presentes eram apenas eu e Rosângela Castro. Só. A gente brinca falando que foi a Caminhada dos 18, começamos em 30 pessoas, mas uma parte foi dispersando. Na época, o leite vinha em saquinhos e começaram a tacar esses saquinhos cheios de xixi na gente. O Márcio Marins, que era do Grupo Atobá, estava servindo ao Exército na época e foi fardado. Tem uma entrevista de uma revista antiga, que agora não me lembro o nome, onde colocaram a foto do Márcio. A partir disso, ele teve que fugir para outras cidades e a gente juntava uma grana para ele se virar. O negócio ficou feio. O Márcio foi um grande militante e uma pessoa fantástica. Ele ainda era menor de idade quando entrou para o Atobá, grupo do subúrbio do Rio de Janeiro, criado pelo Paulo César Fernandes. O nome do grupo era por causa de uma árvore que tinha no quintal. O Grupo Atobá foi muito ativo nos primeiros anos de ativismo no país, nessa primeira Parada, de 93. De lá, não tem mais ninguém em ação, não tem mais ninguém vivo, só ativistas que estiveram lá de passagem. O Márcio Marins foi o último a falecer, mas antes ele trabalhou muito. Ele enfrentou o pessoal responsável pela chacina que teve em Duque de Caxias, daí começaram a perseguir o Márcio, por isso ele foi para Curitiba, morou alguns anos no Paraná também. A gente fazia as reuniões do Movimento Delas junto com as reuniões do Atobá. Outro dia, estava com a Rosângela Castro e rimos muito com ela lembrando da Caminhada dos 18: “na primeira lavagem de mijo que eu levei, eu fui embora”.

Por que dia 29 de agosto é o Dia da Visibilidade Lésbica?

Yone Lindgren  – É devido ao Senale [Seminário Nacional de Lésbicas], que aconteceu em 1996 e reuniu cerca de 100 lésbicas, fora as que preferiram, por muitos motivos, não assinar a lista de presença. Vinte e nove de agosto foi o dia da última plenária, que começou no dia 26. Não tem ligação com o Levante do Ferro’s Bar, que aconteceu em 19 de agosto de 1983 e é quando comemoramos o Dia do Orgulho Lésbico. Eu frequentava muito o Ferro’s Bar quando ia para São Paulo. Nesse mês de agosto, iremos fazer o 10 Dias de Ativismo Lésbico. Iremos começar o evento no dia 19 e seguiremos até o dia 29. Vamos fazer também uma publicação sobre lesbocídio, lesbofobia e lesbo-ódio.

Como surgiu a Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL)?

Yone Lindgren  – A ABL foi criada em 2004 por mulheres lésbicas e bissexuais, cis e trans. A ideia surgiu depois de um grupo em que eu participava não aceitar a participação de mulheres bissexuais. Atualmente, tem como principal objetivo politizar a galera mais nova e que é de favela. Temos uma longa história e muitas conquistas, uma delas foi o trio na Parada do Orgulho de Copacabana, chamado “Nós temos mulheres na Parada”.

A senhora tem falado muito sobre envelhecer sendo lésbica. Carregando toda essa trajetória de ativismo. Como tem sido essa etapa da vida?

As articulações não respondem muito bem, a gente precisa de algumas ajudas, mas vamos vivendo a vida. Politicamente, eu acho lindo. Por exemplo, na ABL, vejo as meninas mais novas e elas estão me dando um banho, é mestrado, doutorado, roda de conversa. Para mim, é uma pena não ter o gás que já tive, mas outras coisas recompensam.