Filme de Pedro Fiuza integra a programação do Festival É Tudo Verdade 2024

Foto: Divulgação

Por Lilianna Bernartt

“É lampa, é lampa, é lampa, é lampa, é lampião, meu nome é Virgulino, apelido Lampião”, cantam personagens em dos filmes que compõem o curta metragem “A Edição do Nordeste”, do diretor Pedro Fiuza, que aborda e critica o processo de construção de identidade do Nordeste.

Se pensarmos “nação” como um código de identificação de um todo: nação Brasileira, nação zumbi, nação corinthiana, podemos dizer que, como tal, sua formação se dá por signos, elementos de identificação. Sendo assim, é importante entendermos o processo de construção dessas identidades.

Como se deu a construção da identidade nacional? E dentro disso, como se deu o processo de construção da identidade do Nordeste?

É justamente esse processo que o diretor Pedro Fiuza questiona e relaciona em seu curta-metragem “A Edição do Nordeste”, que faz parte da Mostra Competitiva da 29ª edição do Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade, que termina neste domingo (14).

O cinema, como ferramenta social de extrema potência e identificação, tem papel fundamental nesse processo de construção cultural.

De forma perspicaz e inteligente, o diretor procura identificar, através de recortes de filmes, o processo de construção da figura do Nordeste – quase que de forma metalinguística – através da edição de recortes de filmes – ele traça sua própria edição crítica do que foi a construção desta imagem identitária.

O separatismo é o elemento chave desta discussão. Norte/Sul, rico/pobre, homem/mulher, branco/negro, a lista de movimentos e diferenças sociais/existenciais é longa e extremamente presente.

Dentro deste processo histórico de construção social e cultural, temos a separação realizada à época, do “Brasil moderno” e o “Brasil periférico”, claramente pautada por questões de raça e meio ambiente, um processo histórico fundamentado por réguas desproporcionais.

Nem de longe tenho intenção de me aprofundar na parte histórica, até porque o aspecto sócio-político-econômico do processo de construção identitária obviamente ultrapassa essas breves linhas. Mas essa introdução é necessária para que se possa adentrar no que Pedro Fiuza brilhantemente e condensadamente (estamos falando de um curta-metragem) consegue questionar – o processo de estereotipização do Nordeste em meio à construção identitária pautada pela luta de classes.

O filme surgiu a partir da pesquisa do Grupo Carmim, grupo de teatro do qual o diretor faz parte, que realizou por anos a pesquisa acerca da obra “A Invenção do Nordeste”, de Durval Muniz, que analisa a questão justamente sob este ponto indissociável.

E esse processo está implicitamente conectado à criação da figura do “sertanejo”, do “cangaçeiro”, da virilidade nordestina, do “cabra-macho”, do “guerreiro”, que resiste “à” e enfrenta qualquer tipo de situação, até mesmo como forma da valorização do aspecto regional.

Com uma montagem que se dá através de recortes de filmes historicamente e cinematograficamente importantes, de grandes cineastas como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Carlos Coimbra, Anselmo Duarte e outros, acompanhamos a construção de arquétipos sociais, fundamentados na virilidade, força, violência, luta, religiosidade, pobreza.

O próprio diretor reitera sua crítica: “A fala sobre identidade coletiva nesses trabalhos é um alerta de como essa identidade coletiva imposta pode ser apenas mais um “avatar” de opressão”.

O recorte selecionado para a montagem do filme se baseia nas obras cinematográficas citadas pelo próprio Durval Muniz em seu livro, e conta com 28 filmes, que abrangem os anos de 1938 a 1980, com a inclusão de filmes como “Boi de Prata”, do potiguar Augusto Ribeiro Jr. (1980) e “Theodorico, O Imperador do Sertão”, de Eduardo Coutinho (1978).

O resultado é um filme extremamente impactante e certeiro. Ao longo da narrativa construída, vai se moldando o processo em si, bem como as ferramentas utilizadas para tanto, no que diz respeito à estereotipização.

“A Edição do Nordeste”, além de criticar de forma certeira o processo de opressão social, que segue de forma ininterrupta até os dias de hoje, ainda ressalta o cinema como ferramenta de reverberação e formação de identificação de uma sociedade. O diretor aproveita seu tempo de tela de forma brilhante, conseguindo em 20 minutos de filme, alcançar um exponencialidade crítica que impressiona. Realmente um feito digno das premiações que o filme vem recebendo.

O filme está em exibição no Festival de Documentários – É Tudo Verdade, que conta com exibições neste sábado (13), no Rio de Janeiro e domingo (14), em São Paulo.