Foto: Paulo Pinto / Agência Brasil

Por Mauriceia Ferreira da Silva Rocha

Perante o genocídio em curso em Gaza, que já ultrapassou 30 mil mortes segundo o Ministério da Saúde do Hamas, a noite mais importante para Hollywood, da maior indústria cinematográfica do mundo, irá usar seu alcance e holofotes para se posicionar?

Para desenvolvermos essa reflexão, primeiro precisamos entender o que é “soft power”. O termo político usado em Relações Internacionais, que traduzido para o português seria algo como “poder suave”, foi criado pelo professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard no final dos anos 80. É um mecanismo utilizado por países para conquistar poder sem o uso da força, o “hard power”. A arte e o entretenimento podem e são usados como soft power lucrativo e capaz de posicionar uma cultura mundialmente, gerando empatia com seu povo e sua ideologia.

No Oscar 2024, os Estados Unidos, que são aliados de Israel, mandam seu recado através de seus indicados. Dos 53 filmes concorrentes, divididos em 23 categorias, 5 nos chamam a atenção pela temática e/ou protagonismo judeu.

O longa favorito da noite para vencer as principais categorias, Oppenheimer, dirigido por Christopher Nolan, é baseado em um recorte da história real do pai da bomba atômica, o físico J. Robert Oppenheimer, filho de imigrantes judeus vindos da Alemanha, que fizeram fortuna no setor têxtil nos Estados Unidos. No filme, a decisão do cientista, interpretado pelo irlandês Cillian Murphy, de contribuir com a construção da arma nuclear, vem da necessidade de inventar uma arma muito poderosa antes dos nazistas. São 13 impressionantes indicações: Melhor Filme, Ator, Ator Coadjuvante, Direção, Atriz Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Trilha Sonora, Design de Produção, Fotografia, Figurino, Cabelo e Maquiagem, Montagem e Som.

Cena de Openheimer. Foto: Divulgação

Também no cenário da Segunda Guerra Mundial, temos Zona de Interesse, longa britânico, dirigido pelo judeu Jonathan Glaze. A história se passa durante o Holocausto, “onde o comandante do maior campo de concentração e sua esposa desfrutam de uma vida bucólica na sua residência que faz divisa com Auschwitz, sem preocupações senão ter uma rotina tranquila” (AdoroCinema). Zona de Interesse concorre em 5 categorias: Melhor Filme, Filme Internacional, Direção, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som.

Ainda na temática Holocausto, concorrendo a Melhor Curta Metragem de Animação, aparece Letter To a Pig, uma parceria entre França e Israel, dirigido e roterizado por Tal Kanton, em que no “Memorial Day”, “um sobrevivente do Holocausto lê uma carta que escreveu para o porco que salvou sua vida. Uma jovem estudante ouve seu testemunho em sala de aula e mergulha em um sonho distorcido onde enfrenta questões de identidade, trauma coletivo e os extremos da natureza humana”. (Fonte Imdb).

Indicado em Melhor Maquiagem e Penteados, aparece também a cinebiografia Golda – a mulher de uma nação, que se concentra nas responsabilidades e decisões que Golda Meir, também conhecida como a Dama de Ferro de Israel, enfrentou durante a Guerra do Yom Kippur. O conflito envolveu Israel contra Egito e Síria em 1973 e teve consequência mundiais com a Crise do Petróleo. Dirigido pelo israelense Guy Nattiv e protagonizado pela britânica Hellen Mirren, o filme consegue a indicação mesmo com a polêmica envolvendo o uso de prótese no nariz da atriz que não é judia, o que é tido por muitos judeus como uma estereotipização, o “jewel face”.

Helen Mirren em ‘Golda’. Foto: Reprodução

Atravessando a mesma polêmica e também indicado nessa categoria, Maestro, dirigido e protagonizado por Bradley Cooper, é um filme da Netflix. O longa conta a história real da vida e carreira do compositor, músico e pianista judeu Leonard Bernstein responsável pela composição da trilha sonora de musicais aclamados da Broadway, como West Side Story e Peter Pan. Maestro conta com outras 5 indicações, além de Maquiagem e Penteados: Melhor Filme, Ator, Fotografia, Roteiro Original e Atriz.

Seria uma coincidência termos tantas temáticas e protagonismo judaico entre os indicados ao Oscar, justamente em uma época em que Israel comete crimes humanitários contra a Palestina? O que isso nos diz sobre o posicionamento da Academia?

Artistas contra o genocídio

Divulgação artists4ceasefire.org

Na contramão, temos o movimento Artists 4 Ceasefire, onde alguns artistas de Hollywood se unem para pedir o cessar fogo imediatamente por parte de Israel e suas forças aliadas. Entre eles estão America Ferrera, indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Barbie, o já citado Bradley Cooper, Florence Pugh que integra o elenco de Oppenheimer, Joaquim Phoenix, protagonista de Napoleão, Jon Batiste, músico indicado por Canção Original em American Symphony e ator em A cor púrpura, Lily Gladstone, indicada como Melhor Atriz por Assassinos da Lua das Flores, Mark Ruffalo indicado por Melhor Ator Coadjuvante em Pobres Criaturas e Riz Ahmed, um dos dubladores do indicado a Melhor Animação, Nymona. Fazem parte majoritariamente do movimento artistas negros, latinos, indianos, arabes, amarelos e indigenas.

Vale ressaltar que o texto não pretende questionar a qualidade das obras citadas e nem afirmar que o Estado de Israel e o Judaismo sejam o mesmo, e sim observar como o soft power é usado pelo principal aliado de Israel dentro da cerimônia do Oscar 2024.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024