Na chegada desse mês de março, simbólico para as lutas de nós mulheres, há poucos dias da data em que comemoramos 91 anos do voto feminino – 24 de fevereiro – e recém-saídas do Carnaval, é cada vez mais óbvio que a reconstrução, a refundação e a revolução do Brasil só será possível pelas mãos das mulheres negras. Embora a sociedade, ainda machista e patriarcal, teime em nos empurrar para trás e em invisibilizar nossas lutas, conquistas, histórias e memórias, temos galgado degraus cada vez mais altos e não é por acaso, mas sim por competência, visão, ancestralidade e coletividade.

Nós, mulheres negras, que compomos um conjunto populacional, que em diáspora dos países africanos nas Américas e na Europa, temos nossa existência atravessada por uma série de violações no decorrer dos processos. O deslocamento forçado do povo negro se desenhou de maneira muito perversa e todo o processo de suplício ao corpo negro teve incidência brutal no corpo das mulheres negras. Foram inúmeras tentativas de desumanizar nossos corpos e existência, o que é francamente constatável com o horror dos estupros, da exploração das formas femininas de nós negras, a retirada dos direitos reprodutivas, quando os filhos eram arrancados das mães negras para que os filhos dos brancos pudessem mamar em nossos peitos, assim como a brutalidade de quebrar os dentes das nossas ancestrais porque a falta de higiene apodrecia os dentes da branquitude vinda da Europa.

Nos submeteram aos mais distintos flagelos, contudo não conseguiram apagar as chamas de vida que carregamos e a nossa capacidade de buscar saídas e construir estratégias para garantir nossas liberdades e a do nosso povo. Conhecimento é poder e por isso mesmo as inúmeras tentativas de apagar nossas ancestralidades. Não permitimos, não sucumbimos e, com muita luta, ocupamos espaços em todas as áreas, inclusive na política institucional. Nos reinventamos e seguimos ampliando nossa ocupação para promover a refundação da sociedade.

E é muito simbólico que, neste florescer de março logo após o Carnaval e pouco antes de completar cinco anos do massacre de uma mulher negra, favelada, diversa, vereadora democraticamente eleita, Marielle Franco, no desfile de uma escola de samba, que reverbera e fala ao inconsciente das classes populares, mostra que é preciso um outro pacto, uma refundação, uma outra independência a partir de um corpo específico. Poderia a Beija-Flor só tirar Dom Pedro do cavalo, deixando o povo tomar conta, mas optou por colocar em seu lugar uma mulher negra. Essa mensagem é subliminar e poderosa, pois mostra para as classes populares que as mulheres negras sempre estiveram na vanguarda. Para além da história, as mulheres negras estão em todas as esferas políticas, inclusive a institucional, e mostram que estão preparadas para fazer a revolução da sociedade brasileira.

O Brasil não está preparado. Os partidos não estão preparados. Mas a sociedade brasileira precisa ser levada a isso, à identificação de que a independência real do povo brasileiro só virá com as mulheres negras. E o Carnaval, essa cultura popular centrada no trabalho, na competência e na força das pessoas negras, vem sendo um disparador dessas formas de repensar a sociedade brasileira a partir de sua maioria social, que é preta e parda, é negra!

São as Marias, Joanas, Felipas, Rosas, Marielles, Mônicas, Beneditas, Dandaras, Leilas… as propulsoras da nova realidade política, econômica, cultural e social do nosso país.

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