Sabemos que, quando uma vitória é construída sobre a compra de votos e o uso fisiológico do governo, quem vence é a corrupção, que contamina e desfigura a prática política no país.

Foto: Mídia NINJA

Temer livrou-se de mais um processo iniciado contra ele pela Procuradoria-Geral da República. Pela segunda vez, pode contar com apoio na Câmara dos Deputados para que não prevalecesse a necessária investigação criminal sobre o seu envolvimento nos favores concedidos à JBS, sobre sua efetiva ligação com Eduardo Cunha, sobre os esquemas que permitem a políticos do PMDB, como Geddel Lima, possuírem apartamentos abarrotados de dinheiro.

À primeira luz, o painel da Câmara da última quarta (25/10) dirá que Temer venceu. Trata-se de uma vitória, como as do rei Pirro em sua guerra contra os romanos. Numa apropriação das palavras de Plutarco descrevendo esse evento histórico, podemos dizer que se Temer for vitorioso em mais uma batalha como essa, estará completamente arruinado.

Nós, a oposição, fizemos o que podíamos, guerreando como os romanos contra Pirro. Contudo, sabemos que o saldo da guerra de Temer para se manter no poder é a completa destruição da democracia brasileira.

Sabemos que, quando uma vitória é construída sobre a compra de votos e o uso fisiológico do governo, quem vence é a corrupção, que contamina e desfigura a prática política no país.

Eles ganham, mas levam muito pouco. Temer tem hoje uma base parlamentar esgarçada. Se os 251 votos que recebeu são insuficientes para aprovar um simples projeto de lei, o que se dirá para emendar a Constituição – como seria necessário para fazer avançar a reforma da Previdência, uma de suas prioridades. Vai a pó a imagem do líder político habilidoso, conhecedor das nuances do Parlamento, agregador de interesses. A montanha pariu um rato.

Dois eventos ilustram o day after de Temer. Pela manhã, em pronunciamento divulgado nas redes sociais, o presidente golpista diz que “a verdade venceu”. Que prevaleceram as garantias individuais, que as instituições brasileiras foram testadas de forma dramática e resistiram. Que esse conjunto de fatores permitirá dar prosseguimento a sua agenda, que já acumulava resultados positivos visíveis, como a retomada do crescimento econômico, do emprego e do consumo das famílias. Horas depois, à tarde, pesquisa divulgada pelo grupo de análise política Eurasia restabelece que Temer é, na verdade, o líder político com a mais alta taxa de rejeição em todo o mundo.

Não há incoerência entre um evento e outro; pelo contrário, o segundo explica o primeiro.

A verdade é que Temer perdeu as condições de produzir uma imagem minimamente razoável de seu governo – se é que a teve algum dia… Mesmo a mídia mais tradicional e chapa branca brasileira já não se dá ao trabalho de defendê-lo.

Na votação anterior, coube a veículos como o The Intercept Brasil o levantamento dos dados que demonstraram a ampla compra de votos praticada por meio de liberação de emendas. Desta vez, esse tipo de análise marcou mesmo a cobertura de noticiários como o Estadão. Abandonado, resta a Temer distribuir fake news sobre si próprio, sobre seu governo, como o fez na manifestação divulgada nas redes sociais.

Há duas ponderações sobre isso. De um lado, sabemos que um mínimo de racionalidade é o suficiente para perceber que os argumentos apresentados por Temer não se sustentam na realidade. Economistas como Laura Carvalho têm demonstrado que a desaceleração da economia brasileira só aumentou com Temer.

Chega a ser revoltante a sugestão de um aumento do consumo das famílias quando os dados apontam para o crescimento da miséria e para o agravamento da crise social no país. O mesmo pode ser dito sobre a suposta retomada do emprego, justo quando manifestam-se os primeiros impactos da reforma trabalhista – com postos de trabalho sendo oferecidos a indignos R$ 4,50 por hora trabalhada.

Por outro lado, quando Temer vai às redes sociais divulgar bravatas, não é à sociedade a quem ele se dirige, mas sim aos donos do PIB brasileiro. Não é aos cidadãos e às cidadãs a quem Temer presta contas, mas ao grande capital. Pois este tem sido seu fiel da balança, o fiador de sua estabilidade. Pois este é quem tem sido o motor de seu governo.

Temos aí o derradeiro (e mais nefasto) aspecto da continuidade de Temer à frente da presidência. Para além de esgotar a democracia brasileira, mais do que expor cruamente o elemento inescrupuloso que marca a prática política no país, a sustentação de Temer é feita às custas do patrimônio público nacional e dos mais elementares direitos garantidos à nossa população.

Não há casualidade na pressa com a votação sobre a denúncia da PGR foi feita. Não há coincidência haver o leilão das regiões do pré-sal apenas dois dias depois. A continuidade de Temer é condição necessária para que esse tipo de agenda prospere, para que avancem interesses como os que praticamente encerraram a política de combate ao trabalho análogo à escravidão.

A rejeição da possibilidade de investigação contra Temer ratifica, portanto, a essência do golpe de 2016: a da substituição da legitimidade política pela preponderância do poder econômico, a troca do Estado de Direito pelo estado do compadrio – para citar termos que recentemente expuseram o quanto tal dinâmica também impera na Suprema Corte brasileira.

Ratifica também, por outro lado, a razão de nossa luta: recuperar a democracia, resgatar os princípios morais e éticos que devem orientar a prática política, devolver o Brasil a quem lhe é de direito. Semana passada lutamos com bravura mais um round dessa batalha. Estejamos preparadas e preparados para os próximos.

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