Marcha do ATL 2021, em Brasília. Foto: Raissa Azeredo

Abril é mês de Acampamento Terra Livre (ATL). De 24 a 28 deste mês, milhares de indígenas, de todas as regiões do país, estarão acampados em Brasília para discutir o tratamento dado aos seus direitos e demandas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Esta será a décima nona edição do ATL, que já se tornou uma tradição e uma referência de mobilização social democrática e participativa. Nada a ver com portas de quartéis. A Apib, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que convoca e coordena o ATL, já iniciou negociações com o GDF, o Governo do Distrito Federal, para definir o local do acampamento. A APIB sempre prefere o gramado da Esplanada dos Ministérios, mas o GDF quer transferi-lo para a Granja do Torto, ou outro local fora do Plano Piloto, alegando o trauma político causado pela predação golpista de 8 de janeiro. É provável que acabe ficando próximo da Funarte, atrás da Torre de Rádio e TV, o mesmo local do ano passado e um meio termo entre as expectativas.

Esta será a primeira edição do ATL após a criação do MPI, o Ministério dos Povos Indígenas, prometido pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva no último ATL, ainda como candidato. Há uma grande ansiedade com a proximidade da mobilização e as comunidades e organizações indígenas já articulam delegações, compram miçangas e arrecadam recursos para a viagem e estadia.

‘Marco temporal’

Uma das prioridades do movimento indígena é a retomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do julgamento sobre o “marco temporal”, uma interpretação jurídica dos ruralistas que pretende impedir a demarcação das terras que não estivessem na posse das comunidades indígenas em 8 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O julgamento está empatado em 1 X 1 e um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes adiou a conclusão do julgamento.

Em visita a uma aldeia Marubo, no Vale do Javari (AM), a presidenta do STF, Rosa Weber, prometeu que o julgamento será retomado ainda no primeiro semestre. Os povos indígenas esperam que seja reafirmado o caráter originário dos seus direitos territoriais – anterior à própria constituição do Estado brasileiro – e que as comunidades expulsas durante a ditadura militar também tenham as suas terras demarcadas.

Sonia Guajajara e Joenia Wapichana com o presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert / PR

A Apib espera que o julgamento seja retomado até a instalação do ATL, ou, pelo menos, que Rosa Weber anuncie a data dessa retomada. Espera, ainda, que os seus dirigentes sejam recebidos por Alexandre de Moraes e que ele vote contra o tal marco temporal.

Disputas no Congresso

Durante o ATL, será relançada a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, sob a coordenação da deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) nessa Legislatura. Na Legislatura passada, a frente foi liderada pela então deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), atual presidente da Funai. O requerimento de recriação, com assinaturas de 207 deputados, já foi homologado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Não se trata de burocracia, mas do resultado do trabalho de articulação da deputada e da sua assessoria, que superou e derrotou a tentativa do deputado Coronel Crisóstomo (PL-RO) de “grilar” a FPI para submetê-la a interesses anti-indígenas. O relançamento da FPI no ambiente do ATL terá forte simbolismo.

Também foi instalada, na Câmara, a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. Trata-se de uma comissão técnica permanente, que opinará sobre projetos de lei e outras proposições legislativas. Ela também será presidida pela deputada Célia Xakriabá, mas o seu mandato vai além das questões indígenas e inclui as demais populações tradicionais.

No Senado, deverá ser instalada a CPI das ONGs, liderada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), que pretende criminalizar, além das ONGs, o próprio Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES e que ficou inativo durante o governo passado. A CPI pretende atingir, também, as organizações indígenas mais representativas, que conquistaram novas fontes de financiamento e espaços de influência política inéditos.

Celia Xakriaba. Foto: Benjamin Mast / La Mochila Produções / ISA

Políticas indígenas

Nesse ATL, o movimento indígena terá a primeira oportunidade para avaliar e discutir, coletivamente, os primeiros 100 dias do governo Lula, os avanços e impasses que os representantes indígenas têm vivenciado no MPI, na Funai, na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e em outros espaços de governo.

Autoridades indígenas, como a ministra Sonia Guajajara, o secretário-executivo do ministério, Eloy Terena, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, e o titular da Sesai, Weibe Tapeba, terão a oportunidade de expor as bases, os desafios e dificuldades do governo e de ouvir críticas e sugestões sobre os rumos das políticas indígenas.

Nesse começo de governo, a Funai renovou portarias de restrições de uso de áreas ocupadas por indígenas isolados e constituiu grupos de trabalho para identificar Terras Indígenas. Espera-se que, até o ATL, sejam homologadas, por decretos presidenciais, 14 áreas e anunciadas outras medidas que marquem a retomada dos processos de demarcação, como determina a Constituição.

Também são esperadas as nomeações de pessoas indicadas pelas organizações indígenas para as coordenações regionais da Funai e outros cargos da Sesai, também disputadas por deputados e políticos locais. No ATL, todos poderão saber melhor sobre as condições de orçamento, estrutura e pessoal dos órgãos mais afetos às demandas indígenas, herdadas do governo anterior.

Será um bom momento para apontar e cobrar providências dos órgãos de governo em relação aos territórios que mais sofrem com invasões de garimpeiros, madeireiros, traficantes e grileiros, alguns dos quais até com decisões judiciais favoráveis à retirada dos invasores, mas ainda não cumpridas. O caso da Terra Indígena Yanomami, que foi objeto de intervenção direta do presidente Lula, registra avanços, mas também a necessidade de articular melhor a ação dos órgãos federais.

Vendo por dentro

Será, também, a hora do movimento indígena olhar-se por dentro, promover novos quadros para ocupar os vazios deixados pelos que foram para o governo, aprofundar parcerias e repor os parâmetros da sua autonomia. A Apib e outras organizações têm responsabilidades ampliadas e enfrentam inimigos fortes.

Kléber Karipuna, da coordenação da Apib. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ainda não foi divulgada a programação dos cinco dias de atividades do ATL, mas pode-se esperar que ela seja intensa. Embora ainda estejam presentes desafios típicos de resistência, que predominaram durante o governo Bolsonaro, já estão quentes as demandas de agenda positiva e dos avanços esperados para os próximos meses e anos.

No paralelo, certamente rolarão notícias de todas as regiões, papos sobre contratos de carbono, muitos cantos, danças, fofocas picantes e fortes emoções. Além dos artesanatos, das pinturas corporais e produtos da floresta.

Se você ainda não é parceiro da Apib, mas compreende a importância dos povos indígenas, dos seus territórios e das suas culturas para um bom projeto de futuro para o Brasil, chega mais. Visite os perfis da Apib nas redes sociais (@apiboficial), acompanhe o ATL, contribua com alguma grana e compartilhe notícias, imagens e impressões com os seus.

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