A nordeste de Vancouver, Canadá, incêndios florestais gigantescos se juntam para compor um cenário apocalíptico. Com a velocidade do fogo, dezenas de milhares de pessoas tiveram que abandonar as suas casas, deixando tudo para trás. O fogo também assola o Haiti e os EUA, de forma inédita, queimando cidades e ceifando vidas.

Canal do Panamá congestionado com navios por causa da seca. Foto: Reprodução/Redes Sociais

Enquanto isso, a seca aflige o Panamá, reduzindo o volume de água nos rios e lagos. Além dos problemas de abastecimento, a falta de chuva afeta a travessia do canal entre os oceanos Atlântico e Pacífico, impedindo a passagem de navios de alto calão e afetando o comércio mundial.

A ameaça de estiagem aguda também atinge o Brasil, com o advento de mais um EL Niño, fenômeno de aumento da temperatura das águas do Pacífico, agravado pelo aquecimento global. Pode faltar água nas maiores cidades, assim como produtos essenciais para as comunidades que dependem do transporte fluvial para o seu abastecimento e deslocamento. Em pleno inverno, temperaturas de quase 40°C estão previstas para parte do Sudeste e acima dos 30°C na Região Sul. Já no Centro-Norte, ocorrem temperaturas altas em agosto e setembro, mas são incomuns a intensidade e a abrangência dessa onda de calor.

Massa de ar quente avança pelo Brasil nesta semana. Imagem: Meteored/tempo.com

As evidências científicas das mudanças climáticas vão se multiplicando, assim como as pesquisas sobre os seus efeitos em várias partes do mundo. O sofrimento também só cresce, assim como os relatos dramáticos das vítimas. Para os que respeitam a verdade e a ciência do clima, o caminho possível é a transição para uma economia mais sustentável, de baixo carbono.

Enrolação

Mesmo que fosse possível acabar, de imediato, com a queima de combustíveis fósseis e a destruição das florestas, a natureza precisaria de décadas para reduzir os níveis de concentração de gases do efeito estufa na atmosfera terrestre. Mesmo com novas técnicas de sequestro desses gases, a interrupção imediata das causas só reduziria no médio prazo os efeitos do aquecimento global.

Portanto, diante da urgência e da gravidade da crise climática, a transição ecológica tem de ser rápida. Mas há custos e interesses contrários. Os custos têm a ver com a substituição dos combustíveis fósseis por fontes limpas de energia. Os interesses concentram-se na indústria do petróleo, que tenta ganhar tempo e criar fatos consumados para alongar a transição. Enquanto não são adotadas medidas mais fortes, grandes empresas do setor tentam assegurar o acesso a novas reservas de gás e petróleo para viabilizar novos projetos e o aumento da produção.

Foz do Amazonas onde Petrobrás pretende abrir nova frente de exploração. Imagem: GoogleMaps

É nesse contexto que se inscreve a intenção da Petrobrás de abrir uma nova frente de exploração de petróleo próxima à foz do Rio Amazonas, entre o Pará e o Amapá. A empresa alega que a abertura dessa nova frente é necessária para cobrir a queda de produção do Pré-Sal, a partir da próxima década. No entanto, não apresenta informações claras sobre essa produção, nem sobre o ritmo com que devemos promover a substituição das fontes fósseis na economia brasileira. Em vez disso, recorre à retórica política para sugerir, difusamente, que produzir mais petróleo é de indiscutível interesse nacional e que as precauções sugeridas pelo Ibama para autorizar a abertura de novos poços contrariam o crescimento econômico do país.

Forçando a barra

Nessa terça-feira (22), a pedido do Ministério de Minas e Energia (MME), a Advocacia Geral da União (AGU) divulgou um parecer contestando as condições estabelecidas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para licenciar o poço que a Petrobrás pretende perfurar na foz do Amazonas. O pomo da discórdia é a necessidade, ou não, de estudos estratégicos prévios sobre a bacia sedimentar em questão e sobre a dinâmica das correntes marítimas que nela ocorrem, que é muito diferente na região do pré-sal.

Mas a discussão necessária é outra, precede a tomada de decisão e tem a ver com o impacto da abertura de uma nova frente de exploração de petróleo quando o mundo todo precisa reduzir, com urgência, o uso dos combustíveis fósseis e aumentar a produção de energias limpas. A Petrobrás alega que a produção excedente será destinada à exportação e não prejudicará o cumprimento das metas brasileiras de redução de emissões. Só que a atmosfera terrestre é uma só!

Presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva participa da COP-27, no Egito, em 2022. Foto: Reprodução Youtube TV Brasil

É aqui que entra o argumento da concorrência predatória. A Petrobrás alega que outras grandes petroleiras também estão investindo em novas frentes de produção. É preciso, sem dúvida, um acordo internacional mais forte para impedir que essa dinâmica nos conduza ao matadouro. Arguir o direito ao suicídio não é uma postura razoável. Investir no aumento da produção de petróleo retarda o aumento da geração de energias limpas, assim como a transição ecológica do país e a adaptação da própria Petrobrás aos novos tempos.

Mesmo considerando os interesses contrários das petroleiras, a leniência dos governos e o atraso nas metas de redução de emissões por conta da guerra na Ucrânia, há também razões econômicas a serem ponderadas nesse debate. No ritmo atual de aumento da produção mundial de energias limpas, que promove a queda nos custos de geração, a demanda e o preço do petróleo deverá cair, inevitavelmente, no decorrer da próxima década, quando se iniciaria a eventual produção comercial na foz do Amazonas.

Não há mais tempo. A emergência climática e a responsabilidade humana pelas condições de vida na Terra exigem metas objetivas, compartilhadas com o conjunto da sociedade. Na ausência delas, só sobra uma retórica, na verdade, antinacional e pró-apocalipse.

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