Charge: Aroeira

Ciro Gomes se dispõe a disputar a presidência da República, em 2022, pela quarta vez. Não há disputa interna e não pairam dúvidas sobre a disposição do PDT – Partido Democrático Trabalhista – em indicá-lo como candidato. Ele aparece em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, mantendo a posição conquistada nas eleições de 2018.

Ciro tem extensa trajetória política e sabe que as circunstâncias também fazem história. Em outras palavras, cada eleição é uma nova eleição e ele já viu o Brasil balançar para um lado e para o outro nessa trajetória.

Ciro disputou a presidência – contra Lula, inclusive – em 1998 e 2002, chegando em terceiro e quarto lugares, mas alcançando o mesmo patamar de 11% dos votos no primeiro turno. Voltou a se candidatar em 2018, 16 anos depois, quando desbancou Marina Silva da posição de terceira força, que ela havia representado nas duas eleições anteriores, chegando perto de 13% dos votos no primeiro turno. O candidato do PT foi Fernando Haddad, que não teve o apoio de Ciro na disputa do segundo turno contra Bolsonaro.

Efeito gangorra

Em 2018 o PT estava em crise, com Lula preso, impedido de ser candidato e a rejeição no auge. A extrema direita estava em franca ascensão, com Bolsonaro avançando sobre espaços até então hegemonizados pelo PSDB. A disputa de Ciro contra Haddad e Marina, três ex-ministros, tinha cara de disputa pelo espólio do lulismo. Fazia sentido fustigar o PT para abrir espaço pela esquerda, ou centro-esquerda, e construir opções para o futuro.

Agora, a situação é outra. Bolsonaro está no poder e a sua eventual reeleição é uma ameaça à democracia e à estabilidade do país. Embora mantenha o apoio de 25% do eleitorado, a rejeição a Bolsonaro é exponencial e inclui um significativo contingente de ex-eleitores. Por outro lado, o candidato é o próprio Lula, fortalecido por sua libertação, pela recuperação da sua elegibilidade e pelo desgaste de Bolsonaro.

À esquerda, a tendência é que Lula unifique o campo. PSOL, PCdoB e PSB, que lançaram candidatos próprios ou ficaram neutros em 2018, discutem o apoio ao PT. Há um forte desejo nesse sentido entre segmentos sociais mais progressistas, que entendem como urgente e premente a necessidade de derrotar Bolsonaro, se possível no primeiro turno. Liderando as pesquisas de opinião com mais de 40%, Lula é uma muralha quase intransponível para Ciro Gomes.

Os vazios políticos disponíveis em 2022 para novas opções estarão mais à direita, ou centro-direita. Ciro já fez uma inflexão neste sentido em 2018, escolhendo a senadora Kátia Abreu como vice. Mas, agora, o PSD, partido dela, está dizendo que vai lançar candidato próprio à presidência. Ciro participou de conversas com outros pré-candidatos à chamada “terceira via”, mas não cogita abrir mão da sua candidatura em favor de outra deste campo político.

Furando o cerco

Na verdade, embora ostente a condição de terceira via eleitoral, Ciro não é reconhecido pelos demais atores desse campo como sendo representativo dele. Nem é pela impetuosidade do seu estilo, embora haja quem alegue isto, mas pelas posições mais à esquerda quanto à política econômica – pouco afinadas com o liberalismo anti-estatal que predomina na terceira via.

Emparedado dos dois lados, Ciro tenta furar o bloqueio falando diretamente a setores específicos que deram suporte a Bolsonaro, como os evangélicos e os caminhoneiros. O PDT está investindo pesado com a contratação do marqueteiro João Santana, que orienta essa tentativa. Ciro gravou um vídeo com mensagens cristãs e postura de pastor, que não me pareceu muito convincente, mas que pode ter funcionado para o público alvo.

Em outro vídeo muito bem feito, Ciro aparece pilotando um caminhão, dizendo que está tirando carteira de caminhoneiro e que, “na minha boléia, cabe o Brasil inteiro”. A peça circula num momento oportuno, em que parte expressiva da categoria se encontra em “estado de greve”, por conta dos preços do diesel. Achei que o Ciro ficou melhor nesse papel.

Em outro movimento, Ciro tenta atrair como vice o apresentador da Rede Bandeirantes, José Luiz Datena, que também se coloca como presidenciável. Mas há dúvida se Datena, na hora H, vai mesmo abrir mão da emissora para se candidatar ou se vai pular fora, a exemplo de Luciano Huck.

Verdadeiro risco

Além disso, Ciro tem alternado ataques, às vezes abaixo da linha da cintura, a Lula e a Bolsonaro, tentando demarcar o seu espaço. E vai se mantendo em terceiro lugar, no patamar de 10% das intenções de voto, oscilando dentro da margem de erro das pesquisas. Ciro não parece dispor de balas de prata para liquidar Bolsonaro ou Lula. Se tivesse, teria detonado.

O que pode alterar esse cenário, aparentemente congelado, é a eventual aglutinação da centro-direita em torno de um candidato que tenha melhores condições de catalisar os dissidentes bolsonaristas e desbanque o Ciro do terceiro lugar nas pesquisas, ficando em em posição de ataque para disputar com Bolsonaro a vaga no segundo turno contra Lula.

Essa eventualidade seria fatal para a candidatura do Ciro, deixando longe a chance de vitória. Se cair de pau na centro-direita, o que Bolsonaro e Lula já fazem preventivamente, ele poderá ficar numa situação mais difícil do que nas eleições passadas para fazer alianças no segundo turno e aumentar a sua influência na superação da crise e na construção de um futuro melhor para o país.

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