Uma novidade histórica do governo Lula é a política indígena, em vez de indigenista, que será implementada a partir de agora. Foi criado o Ministério dos Povos Indígenas, ao qual ficará subordinada à Funai, que passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Ambos, assim como a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, serão dirigidos por lideranças indígenas. Sônia Guajajara, Joênia Wapichana e Weibe Tapeba, respectivamente, serão os seus dirigentes.

Esses nomes foram encaminhados ao presidente Lula pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), na forma de uma lista tríplice para a escolha d@ ministr@. Sônia coordenou a Apib nos últimos anos e foi eleita deputada federal por São Paulo; Joênia encerra o mandato como primeira deputada federal indígena, por Roraima, e Weibe é vereador em Caucaia (CE) há vários mandatos. Lula escolheu Sônia para acolher o PSOL no Ministério, mas aproveitou Joênia e Weibe em outras funções-chave.

Weibe Tapeba (Foto: Reprodução Instagram @weibetapeba)

Joênia Wapichana (Crédito: Câmara dos Deputados)

Sônia Guajajara (Créditos: Reprodução Instagram @guajajarasonia)

O protagonismo indígena sobre as políticas públicas levará outros quadros oriundos do movimento para funções de governo, como o advogado Eloy Terena, que será secretário-executivo do ministério dos Povos Indígenas.

Ocorre também, intensa movimentação nas comunidades e nas organizações indígenas locais para apresentar nomes para as coordenações regionais da Funai e da Sesai, contra as habituais indicações de partidos, reduzindo a influência de interesses de terceiros sobre os territórios indígenas e os seus recursos naturais. O protagonismo político local, por sua vez, deve fortalecer a participação indígena nas próximas eleições municipais.

Em 1 de fevereiro, tomará posse o novo Congresso Nacional, onde atuará, além de Sônia Guajajara, que vai se licenciar do mandato para assumir o MPI, a deputada federal Célia Xakriabá, eleita por Minas Gerais, e que deverá coordenar a Frente Parlamentar dos Povos Indígenas, substituindo Joênia. Outr@s deputad@s e senador@s que também se identificam como indígenas, como Juliana Cardoso, do PT de São Paulo, e Silvia Waiãpi, do PL do Amapá. A ocupação de espaços políticos não se dá só a partir de partidos de esquerda, mas a forte simbologia política indígena também vem sendo capturada por forças de direita.

Célia Xakriabá (Foto: Reprodução Instagram @celia.xakriaba)

Nada será como antes

O protagonismo político indígena é crescente desde o final da ditadura militar, mas se fortaleceu de forma inédita no enfrentamento aos retrocessos promovidos pelo governo anterior. O Acampamento Terra Livre, realizado anualmente no mês de abril em Brasília, reuniu mais de seis mil representantes indígenas de todo Brasil em sua última edição. A Apib foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como competente para ingressar com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs). A expressiva votação alcançada por candidatos indígenas nas capitais é uma evidência do acolhimento desse protagonismo indígena por parcelas crescentes da sociedade.

A nomeação de indígenas para conduzir as políticas do seu interesse decorre da generosidade do presidente Lula, que também decorre da sua percepção de que o movimento indígena foi capaz de se fortalecer, mesmo sob as mais adversas condições políticas. São conquistas históricas, não apenas transitórias. Os interesses incidentes nos territórios e demais direitos indígenas terão que ser tratados diretamente, e não através de prepostos ou supostos tutores.

Da esquerda para a direita Sônia Guajajara, Lula, Joênia Wapichana e Célia Xakriabá (Foto: Reprodução Instagram @celia.xakriaba)

Não serão pequenas as dificuldades, mas essa nova geração de dirigentes indígenas está pronta para enfrentá-las. Ela não poderá subestimar a força objetiva dos interesses que serão contrariados, estará sujeita às vicissitudes próprias da atuação partidária e administrativa, mas aprenderá muito mais ainda sobre a própria natureza da política, com os seus prós e contras.

Aqui não vai nenhum desprezo pelo indigenismo sério, historicamente praticado por pessoas e instituições que foram e continuam sendo fundamentais para a resistência dos povos indígenas à sanha colonial. Muitos sacrificaram as suas vidas nesse processo, e Bruno Pereira foi apenas o mais recente. Mas o momento, agora, é o da política indígena, e todos nós devemos nos orgulhar pelo privilégio de partilharmos esse novo tempo.

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