O rio Tapajós é um dos grandes afluentes da margem direita do rio Amazonas. Nasce da confluência dos rios Juruena e Teles Pires, na fronteira entre Mato Grosso e Pará, e deságua 840 quilômetros depois em uma região da várzea formada por extensos lagos. Apesar de alcançar mais de 40 quilômetros de largura, o Tapajós afunila para um estreito canal antes de sua vazão, no Amazonas.

Rio Tapajós em Alter do Chão, no Pará. Crédito: Marcelo Salazar – ISA.

Para controlar esse ponto estratégico, a meio caminho entre Belém e Manaus, e que viabiliza o acesso fluvial à imensa bacia hidrográfica de águas pretas, com mais de 764 mil km², a coroa portuguesa decidiu fundar, ali, em meados do século XVII, a Aldeia Tapajós, em alusão à etnia ocupante daquela região. Dela se originou a cidade de Santarém, com 300 mil habitantes e a terceira maior do Pará.

Desde então, Santarém consolidou-se como um polo de serviços e de turismo e constitui um importante ponto de apoio para os que navegam pelo rio Amazonas. Além de ser um entreposto comercial que escoa a produção extrativista do Tapajós e do extremo norte do Pará e recebe os bens de consumo indispensáveis para a população regional.

Rio Tapajós em Alter do Chão – Pará. Crédito: Bruno Cecim – Agência Pará

Impactos cumulativos

Nos últimos anos, a bacia do Tapajós vem sofrendo fortes pressões e danos causados pela sobreposição de projetos de infraestrutura, por fluxos migratórios desordenados e pela expansão de atividades econômicas predatórias. A ocupação desordenada agride os povos do Tapajós e ameaça a qualidade do seu futuro.

A Rodovia Transamazônica (BR-230), aberta durante a ditadura militar, atravessa o Tapajós em Itaituba e faz inflexão ao sul, seguindo paralela a ele por centenas de quilômetros na região de Jacareacanga, antes de retomar o rumo do oeste. A Rodovia Cuiabá-Santarém, que atravessa de sul para norte o divisor de águas entre o Tapajós e o Xingu, tornou-se um eixo de intensa ocupação desordenada, por meio do roubo de terras públicas, da extração ilegal de madeiras e, principalmente, da proliferação de garimpos.

Antes mesmo da conclusão da pavimentação da Cuiabá-Santarém (BR-163), está em processo de licenciamento a implantação da Ferrogrão, um corredor ferroviário de 933 quilômetros entre Sinop e Itaituba, onde a soja produzida no norte do Mato Grosso será escoada para a Europa, por via fluvial, convertendo o baixo Tapajós num corredor de exportação.

Rio Tapajós no Pará. Foto: Fernanda Ligabue – ISA

A ameaça mais direta ao Tapajós é a pretendida implantação de mais cinco grandes usinas hidrelétricas na sua bacia, desfigurando-a por completo. Repete-se aqui, o processo errático que já ocorreu nos rios Madeira e Xingu, com a superestimação da quantidade de energia a produzir e a subestimação dos custos e danos socioambientais dos projetos.

Situação limítrofe

A essa altura você deve estar se perguntando se existe salvação para a região do Tapajós. A combinação da sobreposição de investimentos com a ausência de governança socioambiental só pode resultar em devastação crescente. É incrível que o estado brasileiro tenha planejado e investido em tantos caminhos sobrepostos – por asfalto, por trilhos e pela água – para uma mesma produção, de outra região, que vai para outros países, atravessando a Amazônia, enquanto investe tão pouco na infraestrutura que interessa aos povos e comunidades locais, como escolas, equipamentos de saúde, processamento de produtos da floresta, geração de energia limpa, internet e meios de transportes.

Praia em Alter do Chão – Pará. Foto: Cristiano Martins – Agência Pará

Irmandade Scannavino

Eugenio Scannavino nasceu em São Paulo, formou-se em medicina e viajou pelo Brasil à procura de um lugar onde o exercício da profissão fosse socialmente mais útil. Acabou se enroscando entre as comunidades rurais e tradicionais do Tapajós, onde fundou o projeto Saúde e Alegria. Eugênio fala da sabedoria, da sanidade e da felicidade inerentes à vida simples dessas gentes, mesmo vivendo sem assistência médica, medicamentos e hospitais. O Projeto montou um posto de saúde flutuante, que percorre os rios e igarapés da bacia levando assistência médica, insumos e orientação sanitária para as populações ribeirinhas e indígenas.

Com o tempo, o Projeto incorporou outras ações correlatas, como a recuperação de áreas degradadas, o tratamento de resíduos e o aumento da produtividade das roças através de técnicas de manejo florestal. Eugênio explica que a epidemia do coronavírus atingiu com força a população regional, “levando toda a nossa equipe a operar no limite das suas forças e a recorrer a todas as parcerias possíveis”, para fazer chegar às comunidades produtos de higiene e outros bens de consumo essenciais, além das orientações médicas cabíveis. O Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental abriga institucionalmente o Projeto. Para saber mais, consulte https://saudeealegria.org.br/quem-somos.

Empreendedor social, comunicador visual e irmão do Eugênio, Caetano foi para a Amazônia passar seis meses o ajudando e está lá há 33 anos. Hoje é coordenador geral do Projeto. Ele conta que se apaixonou “pelas pessoas, e não exatamente pelas águas límpidas do Tapajós”. A situação de pressão sobre a região a torna ainda mais prioritária como foco de atuação socioambiental. Caetano aponta que se as frentes predatórias concentradas no Tapajós o atravessarem rumo ao oeste, não haverá como evitar o que os cientistas apontam como ponto de não retorno, a partir do qual, o desmatamento, associado aos efeitos das mudanças climáticas levará à “savanização” da floresta tropical e à redução das chuvas que irrigam as regiões agrícolas, abastecem as cidades e movem as hidrelétricas.

Resistência e reversão

Os irmãos Scannavino e os seus parceiros regionais sabem muito bem que não se pode esperar nada do atual governo, a não ser ações agravantes. Bolsonaristas forjaram uma fake news judicial, para acusar brigadistas atuantes no combate aos incêndios florestais na região, com o apoio do Saúde e Alegria, de estarem ateando fogo na floresta para responsabilizar o governo. Os brigadistas foram presos e o escritório do Projeto, em Santarém, foi invadido pela polícia. As acusações eram falsas.

Caetano aponta a resiliência histórica e cultural dos índios e de outras comunidades como exemplos vivos de esperança no futuro. Ele também acredita que o agravamento da crise climática não afeta apenas a floresta, e que os produtores rurais serão obrigados a rever as suas práticas e políticas. O empreendedor relata uma recente e bem sucedida iniciativa de reunir em um seminário lideranças populares e representantes da Aprosoja, para discutir alternativas para o desenvolvimento sustentável da região, um sinal dos tempos de que as frentes de expansão poderão ser amansadas.

Caetano informa que os extrativistas, trabalhadores rurais, comunidades indígenas e várias organizações locais estão, agora, envolvidos em um projeto chamado Floresta Ativa, que pretende transformar a região em um polo de atividades sustentáveis, com a implantação de usinas de beneficiamento de castanhas e de extração de óleos vegetais, casa de mel, câmara fria para o pirarucu manejado, feira de produtos orgânicos para abastecer as pousadas de Alter do Chão e de outros lugares. Uma ampla ação pela economia da floresta.

Eugênio vai mais além e aponta para a biotecnologia, o turismo e o fomento das cadeias produtivas da biodiversidade como estratégia de desenvolvimento mais rentável e adequada ao enfrentamento das mudanças climáticas. “Vamos montar aqui no Tapajós, na linha de frente do desenvolvimento, uma área demonstrativa, para outras regiões da Amazônia e para o mundo em geral, de que é possível uma outra forma mais racional de ocupação da Amazônia. Nós já temos tecnologia para isso, inclusive para intensificar a pecuária, expandindo-a de forma vertical, em vez de horizontal”.

Promover a saúde e a alegria entre as comunidades do Tapajós é um projeto que não começou hoje e que não se assombra com as ameaças do presente. Inspira-se na resiliência das gentes para reverter tendências atuais e abrir novos horizontes, com a superação da epidemia e do desgoverno.

A esperança mora nas pessoas.

Rio Tapajós em Alter do Chão – Pará. Foto: Bruno Cecim – Agência Pará

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