Devemos reconhecer que o presidente Bolsonaro, apesar dos seus múltiplos defeitos, tem a capacidade de se superar até mesmo em matéria de delinquência institucional. Editou, anteontem, a Medida Provisória (MP) 966/2020, para tentar impedir qualquer pessoa ou instituição que tenha sido vitimada pela epidemia da Covid-19 de exercer o direito de responsabilizar judicialmente autoridades públicas que tenham tomado decisões danosas às suas vidas ou economias.

O texto (i)legal é bem curto, com apenas quatro artigos. O primeiro vem para dizer que “o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público”. Para que essa responsabilização possa ocorrer, será necessário comprovar a intenção criminosa dos agentes públicos, que “somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”. Mas se eventualmente ainda puder ocorrer alguma responsabilização, ela deverá recair sobre os quadros técnicos do governo, mas não sobre os tomadores de decisão: “A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir…”. Se o decisor adotar uma orientação técnica que resulte em tragédia, só poderá ser responsabilizado se for comprovada a sua intenção de matar.

O artigo segundo é bem curtinho, então eu vou reproduzi-lo na íntegra: “para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. Vejam vocês que tudo tem que ser muito, muito, muito mesmo!

O artigo terceiro estabelece, ainda, cinco circunstâncias, genéricas, abrangentes e subjetivas, que devem ser consideradas para se poder dizer que foi grave o erro de um agente público. Vou citar apenas uma, para que se tenha uma noção do descalabro legisferante: “o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para o enfrentamento da pandemia da covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas”. Qualquer “incerteza”, num contexto de crise inédito como o atual, pode justificar a impunidade dos agentes públicos.

O último artigo é aquele de praxe, que revoga as disposições em contrário, que não valeria a pena mencionar, não fosse a própria Constituição a principal disposição em contrário. Diz o texto do Artigo 37, § 6º do texto constitucional: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Parece que o presidente está bastante preocupado com as consequências judiciais decorrentes da sua política de boicote ao isolamento social adotado no mundo todo. É um acinte à sociedade querer desresponsabilizar os agentes públicos que se omitem, ou transigem com a vida alheia, num momento de tragédia como este. Banana para a patuléia toda!

A Rede Sustentabilidade já propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a MP 966 no Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Luís Roberto Barroso foi sorteado para relatá-la. Barroso não gosta muito de entrar no mérito de MPs antes da sua análise pelo Congresso, mas, nesse caso, pode ser que suspenda seus efeitos, provisoriamente, até a decisão do Congresso, para que agentes públicos irresponsáveis ou desonestos não tenham sua ação estimulada e acobertada com a sua vigência. Outros partidos, como o Cidadania, anunciaram que também contestarão a MP no STF, mas ainda não sabemos se o relator será o mesmo.

Vejam só a frase que eu encontrei no Dicionário inFormal: “Pessoa que não tem limite e bom senso na hora de falar. Faz o que quer do jeito que quer e não importa o que pensem ou o constrangimento que ela pode causar, pois não se importa em chocar as pessoas com seus atos e palavras e ainda acha bom, mesmo que todos achem o contrário”. Leva vocês a lembrarem de alguém? Pois é a definição de cara de pau.

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