Nesses tempos de quarentena, tenho perdido a noção do que seja final de semana ou feriado. Os dias parecem iguais, mesmo sendo diferentes. Então, levantei bem cedo no 1° de maio e fui passear sozinho pelo Cerrado.

Em Brasília, os dias de maio são lindos. Sol brilhante, céu azul claro cintilante, aquele horizonte de 360 graus típico de planalto, que não deixa dúvida sobre a redondeza da Terra, vento fresco e suave batendo na cara.

As chuvas passaram e a estação seca está começando com o mato ainda verdejante e exuberante, de uma generosidade maravilhosamente gratuita e chocante. As gramíneas estão altas, mas não impedem o trânsito pela vegetação aberta do Cerrado que, nesse sentido, comparado com outras formações florestais, esbanja acolhimento para quem se dispõe a penetrar sua intimidade.

Logo entrei numa vereda pedregosa onde dei de cara com uma flor vermelha gritante, formada por filamentos concêntricos, que ondulam juntos ao sopro do vento. Quando se olha fixamente para essa flor, com o sol ao fundo, é como se aquela dança a transformasse numa pequena nuvem ondulante e vibrante, completamente diferente das que existem no céu.

Mais adiante, uma planta exuberante lança ao ar uma infinidade de flores brancas, que mais parecem sistemas solares formados só por luas, ou planetas brancos para quem preferi-lo. Se enfiarmos a cara por baixo, cada planta dessas assemelha-se a um universo, dando-nos uma noção estonteante e singela da nossa própria pequenez.

Tive que tropeçar num galho seco para enxergar uma flor em que predomina o laranja, incrivelmente bela, que resolveu brotar dentro de uma moita. Porque teria ela feito essa opção quando todas as outras preferem a luz do sol? Sem querer, aparentemente por acaso, ela nos suscita um mistério…

Mas o amarelo é hegemônico no Cerrado. São muitas e variadas, nas árvores, nas moitas e pelo chão. Flores aos cachos, como tapete destacando-se ativamente do mato verde. É amarelo para todo lado, fica difícil discernir cada uma das suas formas e escolher.

De repente, um susto! Um barulho afoito, uma mexida na moita. Poderia ser uma cobra ou lagarto. Dei um passo para trás e me perguntei: “quem ousa violar o meu isolamento?” O bicho assustou e correu: era um tatu. Entrou numa toca – um buraco no chão – e manobrou ali dentro mesmo, de um jeito que eu não pude ver, logo botando a cara de fora, me olhando bem sério e, provavelmente, se perguntando: “quem ousa violar o meu isolamento?”

Tudo isso para me dizer que o Cerrado não é só flores e cores e que há muitos bichos nele também, inclusive mamíferos grandes, mais visíveis e abundantes do que em florestas fechadas. O Cerrado é um mundo à parte. Nunca é demais lembrar a frase do Nicolas Behr, nosso poeta de Brasília: “Nem tudo que é torto, é errado; veja as pernas do Garrincha e as árvores do Cerrado”.

O Cerrado não é o errado, muito pelo contrário! No retorno, avisto Brasília, à distância, com as suas formas monumentais, meio vazia e muito infectada. Lá reside o vírus-mor, no Alvorada, empenhado em promover a disseminação da epidemia pela sociedade, arriscando a vida, inclusive dos seus familiares, auxiliares e seguidores.

Bem que aquele tatu poderia puxá-lo para dentro da cova e cavá-la até os quintos dos infernos! Assim, poderemos voltar mais cedo, quem sabe ainda nesta florada, a passear pelo Cerrado com os nossos amores, amigos e crianças, para admirarmos juntos a divina e maravilhosa exuberância das flores do Cerrado.

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