Aos fundamentalistas, olavistas, terraplanistas, entre outros radicais, não há o que dizer. Continuarão destilando ódio e loucura até depois do juízo final. Mas cabe lembrar algumas coisas aos generais, que ainda sustentam esse governo insustentável, são dotados de racionalidade e envolvem a imagem do Exército no desastre.

Não me refiro aqui aos generais da ativa e ao Ministério da Defesa. Até onde se pode enxergar, eles vêm deixando claro, até por notas oficiais, que não estão disponíveis para aventuras antidemocráticas. E nem se trata de qualquer oficial das três armas que esteja exercendo suas funções com profissionalismo e na normalidade, apesar das notórias dificuldades conjunturais. Falo dos generais que ocupam altos cargos de confiança na estrutura civil do Estado e, em especial, dos que exercem funções ministeriais no Palácio do Planalto, na assessoria direta ao presidente Jair Bolsonaro.

Embora tenha sido eleito, Bolsonaro jogou seu mandato no lixo e o país no abismo. Desperdiçou o precioso primeiro ano de mandato com ideologismos, incompetência administrativa, arrogância e falta de articulação política, além da produção deliberada de conflitos, aos borbotões, com diversos segmentos da sociedade, partidos, imprensa, estados, municípios, Legislativo, Judiciário, governos estrangeiros e organismos internacionais, consumindo, bestamente, a energia vital que o país precisava para se recuperar de mazelas anteriores.

Com a chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil, a loucura presidencial revelou-se por inteiro com a recusa em reconhecer a gravidade do problema e a insistência no boicote ao isolamento social, única estratégia capaz de derrotar o novo vírus, desconhecido e altamente contagioso, para o qual não se dispõe ainda de vacina e de remédio específico e eficaz. Multiplicada a crise, só a união nacional poderia superá-la, mas Bolsonaro preferiu agravá-la, guerreando contra seu próprio governo, derrubando seus ministros mais populares, conspurcando instituições republicanas essenciais, como a Polícia Federal, por causa de mutretas e de mesquinharias familiares e pessoais.

E os generais? Sabemos que não são iguais. A essa altura, nada se pode esperar do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que, após uma importante carreira militar, mostra-se um incompetente ministro da informação, ocupado em forjar falsas conspirações de índios, quilombolas e ONGs, em vez de cuidar dos reais problemas do país e de zelar pelas aeronaves oficiais, que foram usadas até para o tráfico de cocaína, e pelas comitivas presidenciais, infestadas pela epidemia, da qual até ele próprio foi vítima. E ainda deu-se o direito de ameaçar remover 800 famílias de quilombolas em plena emergência epidêmica.

Mas e os demais? General Luiz Eduardo Ramos, o senhor não acha que sua exposição como chefe da Secretaria de Governo e tutor simbólico de um presidente agressivo, paranóico e disposto a atirar o país no fundo do poço para preservar seus filhos prejudica a imagem do Exército? Ainda mais: essa imagem, recuperada com muito trabalho e seriedade após o desgaste da ditadura, não estará sendo fortemente afetada pela inação e pelo iminente fracasso de um governo que se excedeu em nomeações de militares e policiais para cargos estranhos à sua formação, como se os civis – técnicos, profissionais liberais, administradores, funcionários de carreira, empresários, lideranças sociais – fossem todos corruptos e incompetentes? Não será ele, o presidente, que desconhece as pessoas e a sociedade, e não dispõe de quadros para governar um país do tamanho do Brasil?

Lamento profundamente que uma pessoa com a trajetória de vida e a brilhante carreira, como o general Eduardo Villas Boas, tenha tido a infelicidade de servir a um governo mesquinho, doente e desastrado como este. Até posso entender que tenha aderido a Bolsonaro por discordar à exaustão dos governos ditos de esquerda, e por vê-lo como única alternativa a eles. Mas eu esperaria dele, a essa altura, como pessoa séria, racional e sincera que é, o reconhecimento de que o desastre, ainda maior, pode vir da direita.

Com 16 meses de governo, o desastre está dado. E agora, como resolver? Milhões de brasileiros estarão dispostos a derrotar Bolsonaro nas urnas em 2022. Mas o Brasil aguenta até lá, com um paranóico obsessivo no poder? Bolsonaro vai ser impelido a renunciar? Mourão tem condições de governar? A direita pode, sozinha, superar essa crise que ela mesma tornou exponencial?

A melhor solução seria antecipar as eleições presidenciais, o que pressuporia a renúncia do presidente e do vice ainda na primeira metade do mandato? Mas como fazer uma eleição presidencial sob epidemia e isolamento social? Seria possível realizá-la junto com as eleições municipais? Não há como convocar eleições presidenciais excepcionais num contexto de dúvida e com tantas restrições à mobilização das pessoas.

Os generais no poder ainda terão uma saída honrosa se puderem e quiserem convencer Bolsonaro a renunciar, evitando-se a sangria desatada de mais um processo de impeachment, e articular, com Mourão, um governo de união nacional, focado em agendas emergenciais pactuadas para superar a crise sanitária, a depressão econômica e as maiores agruras da sociedade, até as próximas eleições.

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