Arthur Lira é eleito presidente da Câmara em fevereiro de 2021. Foto: Cleia Viana / Câmara dos Deputados

Fiat Elba do Collor? Anões do orçamento? Mensalão? Petrolão? Rachadinha? Não, gente, vamos falar de coisa maior: do orçamento secreto, estimado em R$ 18  bilhões, que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pretende executar, em 2022, para “convencer” 300 deputados a aprovarem projetos de lei e até emendas à Constituição, sem qualquer discussão, conforme o seu interesse, em consonância com demandas do governo Bolsonaro.

O chamado “orçamento secreto” consiste em manter, sem carimbo, uma reserva bilionária do orçamento federal para destinação ad hoc, para a compra de votos de deputados. Dos recursos desse orçamento para este ano, foram liberados R$ 1,2 bilhão em emendas parlamentares, na véspera da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, aprovada, em primeiro turno, com apenas 4 votos a mais do que o necessário. No segundo turno, essa margem subiu para 15 votos, com pressões sobre os ausentes.

Precatórios são dívidas do governo com sentença judicial definitiva. Eles podem ter caráter tributário, salarial ou qualquer outro em que haja disputa na Justiça e o poder público tenha sido derrotado.

O caráter secreto dá a esse orçamento a necessária flexibilidade para, eventualmente, incorporar demandas até de deputados que se supõe que sejam da oposição. Votos de deputados do PSB e do PDT foram fundamentais para a aprovação da PEC, o que levou Ciro Gomes a suspender a sua candidatura presidencial pelo PDT.

Num golpe de mesa, Lira alterou o regimento interno da Câmara para contabilizar, na análise da PEC, os votos de deputados que estavam no exterior, e que foram decisivos para o resultado. Mas Lira proibiu o acesso público a informações sobre esses votos.

A PEC é chamada “dos precatórios”, mas o que ela visa é dar um calote nos precatórios. Como isso não é admissível pela Constituição, projetou-se uma PEC para alterá-la. De quebra, ela também pretendia furar o teto fiscal, mas um destaque foi aprovado na votação, dificultando essa quebra. O pretexto para a PEC é viabilizar recursos para o pagamento do sucedâneo do Bolsa-Família. Mas o calote e o furo do teto pretendiam liberar gastos para o ano eleitoral sem afetar o “orçamento secreto”.

STF mela o jogo do Centrão

O que o Lira e os seus 300 comparsas não esperavam é que o Supremo Tribunal Federal (STF) melasse o jogo. O PSOL recorreu ao STF para questionar as chamadas “emendas de relator [do projeto de lei orçamentária]”, usadas para elaborar o “orçamento secreto” e cooptar votos. A relatora da ação no STF, ministra Rosa Weber, concedeu uma liminar para suspender a liberação de emendas e requisitar informações sobre o processo de votação e o plenário virtual do STF já formou maioria em seu favor.

A decisão do STF quebra as pernas da base parlamentar do governo. Pode até ser que ela tenha provocado uma reação corporativa e ajudado Lira a mobilizar um alto quórum para aprovar a PEC no segundo turno de votação. Mas o fato é que o rei, o vice-rei e os 300 aristocratas que os sustentam ficaram nus. Mesmo que a decisão do pleno do STF pendesse para a posição dos ministros derrotados – contra a suspensão da execução das emendas de relator, mas a favor de uma maior transparência no processo – o modo atual de operação da base parlamentar do governo já seria fortemente abalado.

Sede do STF, em Brasília. Foto: Rosinei Coutinho / SCO / STF

Isto porque os eleitores, em geral, saberão quais deputados vendem os seus votos. Há casos de superfaturamento e de indicação de deputados para obras em outros estados. Alguns descobrirão, por certo, que seus concorrentes levaram mais do que eles. O desgaste e a pressão só crescerão na base do governo.

Piores são os impactos políticos e institucionais desse sistema de corrupção em escala. Estão vindo à luz as liberações de pacotes de emendas às vésperas de votações recentes. Mesmo tendo sido derrotado, Lira conseguiu reunir um número impressionante de votos – os tais 300 – para tentar aprovar esbulhos constitucionais como o “distritão”, o voto impresso e a violação da autonomia do MPF.

Agora está explicado o surto de demência parlamentar, que é, na verdade, um surto de corrupção. Cabe investigar, sobretudo, as votações em que Lira se saiu vitorioso, como a alteração do regimento da Câmara, para lhe dar superpoderes, da lei de improbidade administrativa, para dificultar a punição de corruptos, e o Código Eleitoral, que inclui a destinação de R$ 6 bilhões para o Fundo Eleitoral, que vai bancar a campanha do ano que vem.

Arthur Lira instalou uma ditadura corrupta na Câmara, que já está plenamente caracterizada. Ele prometeu transparência na definição de pautas, mas promove a votação em plenário de propostas que não foram discutidas em comissões técnicas e o faz da noite para o dia, com o fluxo das emendas de relator definindo o arcabouço jurídico da nação. Situação muito mais grave do que a do “mensalão”.

Para tanto, Lira se vale da decadência do governo. Segura-o pela brocha, engavetando centenas de pedidos de impeachment, mesmo sendo Bolsonaro o presidente mais tóxico e nefasto da história recente. A turma do Lira já chupou todo o sangue dele e poderá ficar com a sua carcaça, acolhendo-o no PL, em coligação com o PP, como candidato à reeleição. A essa altura, é Arthur Lira quem define a agenda do país, enquanto Bolsonaro se reduz, cada vez mais, à condição de mero espantalho.

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