Quero dialogar sobre temas difíceis, delicados, que dividem a sociedade, que mexem com o seu medo e com as suas supostas certezas. Meu maior objetivo aqui talvez seja de provocar dúvida, polêmica. E não reafirmar determinados lados que já se esperam de alguém de esquerda, de alguém que preside a Comissão de Direitos Humanos.

Acho importante nós pegarmos o medo de quem vive nas grandes cidades brasileiras hoje e tentar pensar, juntos, que saída nós temos, que maneira que a gente pode olhar pra esses problemas e sair das nossas certezas, pra quem sabe, buscarmos caminhos melhores pra Democracia brasileira.

Estarei sempre por aqui, conversando com vocês sobre temas que são fundamentais pra cidade, pra sociedade, pro mundo que a gente quer. Que é o mundo possível, não só o que a gente sonha. Muito prazer!

Direitos humanos e bandidos

É muito comum ler esse debate sobre segurança pública e ver uma pergunta que eu respondo todo dia, “mas você dos direitos humanos não defende bandido?”, “por que que você dos direitos humanos quando morre um policial não faz nada?”, “por que que você não vai pra TV Globo falar alguma coisa da morte dos policiais?” Primeiro que eu não sou convidado pra ir na TV Globo falar sobre isso na maioria das vezes, se fosse, iria. Mas eu não vou quando eu quero, e a gente fala sim sobre a morte dos policiais, a gente se preocupa sim com a morte de policiais, o mais importante é não dividir a sociedade dessa maneira.

Guerra perversa

É como naqueles filmes que você tem aquele cenário aberto, aquele campo verde de um lado uma tropa, do outro lado outra tropa, e aqueles senhores de guerra, senhores da guerra, montados num cavalo atrás dessa tropa e diz “agora vai!”, e aquelas multidões se enfrentam, morrem, é a cena seguinte, são aqueles corpos espalhados por todos os lados, ninguém sabe quem é cada um daquele que morreu, de que lado tava, quem são suas famílias, quem chora sua morte, quem pensa neles uma semana depois.

Você sabe quantos policiais morreram só no Rio de Janeiro em 2017?

Até o final do mês de março foram 45 policiais assassinados no Rio de Janeiro.

Nenhum lugar do mundo nós tivemos tantos policiais assassinados. Por outro lado, no mês de fevereiro desse ano de 2017, você tem ideia de quantas pessoas a polícia matou no exercício da segurança pública do estado? 80 pessoas, oficialmente. Isso significa que a polícia matou quase 3 pessoas por dia. Não há também nenhum lugar do mundo onde a polícia mata tanta gente como na cidade do Rio de Janeiro.

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Homens pretos matando homens pretos

Tem uma juventude sendo dizimada no Rio de Janeiro. Os números são de um genocídio, uma juventude que desaparece. Quem é essa juventude que tá morrendo? A morte da Maria Eduarda, gravíssima: tomou uma rajada num pátio da escola. Mas boa parte dos jovens que tão mortos não entram na escola, não conhecem a escola, não sabem o significado ou não podem fazer com que a escola mude a sua vida.

Aquela cena da execução que acontece na porta da escola, onde dois policiais executam dois jovens que tem provavelmente envolvimento no tráfico de drogas sim, mas não são menos vítimas porque tinham cometido crime. Esses dois policiais tem 37 autos de resistência somados.

O que quer dizer auto de resistência? São pessoas mortas pela polícia. O nome autos de resistência vêm da ditadura civil militar. É muito interessante pensar em autos de resistência, porque o nome já coloca a culpa em quem morreu, porque ele resistiu a um auto de prisão, por isso que é chamado auto de resistência: ele não devia ter resistido, então a culpa já é de quem morreu.

O que foi feito nesses outros autos de resistência por eles cometidos? Certamente ninguém filmou, certamente não tinha um celular apontado. Foram mesmo autos de resistência ou foram execuções sumárias? Não sei, não tô aqui acusando, mas é importante perguntar ao Ministério Público e ao Poder Judiciário onde eles estavam. Não dá pra pensar Segurança Pública como um ping-pong, de que lado eu tô da mesa, se eu tô da esquerda ou se eu tô da direita, isso é muito pouco, isso não explica o grande problema que a gente tem.

 

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Lojas de armas e empresas de segurança privada

Hoje 82% das pessoas que morrem vítimas de armas de fogo são mortas por armas de pequeno porte, produzidas nas fábricas brasileiras. As armas são desviadas porque não há controle do estado sobre o comércio de armas.

Quem fiscaliza as lojas de armas? É o Exército, que não tem condições de fiscalizar hoje no Brasil inteiro.

Quem fiscaliza as empresas de segurança privada, que numericamente são muito maiores do que qualquer segurança pública? É a polícia federal. A polícia federal conversa com o Exército sobre essa fiscalização diferenciada?

Nunca sentam pra conversar. Não há articulação entre as polícias locais, Civil e Militar, a Polícia Federal e o Exército sobre as fiscalização de armas, de munições e do controle do Estado. Os paióis das polícias e do próprio Exército são pessimamente fiscalizados, há muito desvio.

A gente precisa, antes de utilizar o discurso da fronteira que não é vigiada, entender o quanto o Estado, em alguns momentos de irresponsabilidade admitida, não controla e não tem uma política de controle sobre armas e munição. O dinheiro do tráfico de drogas, o dinheiro do tráfico de armas, o dinheiro do tráfico de munição, não tá escondido na favela, ele tá no mercado financeiro, ele tá no mercado imobiliário, ele tá no circuito do grande capital.

Toda munição utilizada pela polícia, ou não, é produzida no Brasil, numa fábrica chamada CBC, que fica em São Paulo. Os Senhores da Guerra são os únicos que lucram com esse discurso do ódio, da raiva, da intolerância que criam os matáveis, aqueles que podem morrer.

A presença da arma não traz mais segurança, há uma grande irresponsabilidade nesses que querem desmontar o estatuto do desarmamento, há uma grande irresponsabilidade na hora de pensar que se todo mundo andar com arma a cidade vai tá mais segura: todos os estudos mostram o contrário, e eu entendo e quero dialogar com esse seu medo.

 

Cordão da Mentira, São Paulo. Foto: Eduardo Figueiredo / Mídia NINJA

Cordão da Mentira, São Paulo. Foto: Eduardo Figueiredo / Mídia NINJA

O medo tem razão de existir

A pessoa que tem medo, quando acredita mais na segurança individual acha que ela pode substituir a segurança pública, ela acha que se ela tiver uma arma ela se protege melhor, coisa que o Estado não vai fazer por ela. Tá errado se você pensa isso. Você armado aumenta sua taxa de risco, se sofrer algum tipo de violência e tiver armado, a chance de você ser morto por estar armado é muito maior do que não ser morto. A ideia de segurança pode trazer na verdade uma realidade de insegurança muito maior.

Esse é um debate que a gente tem que travar com calma, porque esse medo que a gente sente, e eu entendo o medo, é um medo real, tem razão de existir. Ele pode nos levar a conclusões perigosas para nossa segurança, de cada um da sua casa e da Segurança Pública também.