Bolsonaro e Guedes barganham com a fome da população mais vulnerável. E mentem. Não há qualquer entrave para sanção e imediata ordem de pagamento do auxílio aos informais.

Enquanto o Brasil cobrava a sanção imediata da Renda Básica Emergencial, aprovada com rapidez tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, o ministro da economia, Paulo Guedes, colocava um entrave desnecessário ao auxílio que pode impedir que cerca de 25 milhões de brasileiros passem fome durante o período de isolamento.

Como o país acompanhou, o auxílio beneficia trabalhadores informais, MEI, autônomos, cuja renda tributável anual não tenha ultrapassado R$ 28.559 em 2019 e é de R$ 600, chegando a R$ 1200 para mães solo e famílias com dois trabalhadores informais. Trata-se da parcela mais vulnerável da população, alijada de direitos e segurança econômica.

Depois da pressão popular pela sanção presidencial, e com mais de 48 horas de atraso, Bolsonaro finalmente sancionou a lei.

Agora, um outro protagonista está funcionando como entrave ao pagamento do auxílio: Guedes.

Em entrevista coletiva, Guedes impôs como condição de pagamento da renda emergencial a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Orçamento de Guerra, para livrar o governo de cumprir regras fiscais.

Com isso, devolveu ao Congresso a responsabilidade do governo: “Se Maia aprovar em 24 horas uma PEC de emergência, o dinheiro sai em 24 horas”, declarou, com cinismo igualável somente ao do próprio chefe.

A PEC do orçamento de guerra dá poderes extraordinários ao comitê de gestão da crise para gerir o orçamento durante o estado de calamidade. É fundamental avaliar que o ministro da saúde, Henrique Mandetta, não apenas não integra o comitê, quanto se especula que o comitê foi elaborado justamente para diminuir o protagonismo de Mandetta na gestão da crise.

Maia chegou a sinalizar positivamente ao pedido de Guedes, mas quer garantir que o legislativo possa barrar atos do comitê.

Guedes, entretanto, não aceita. Quer poderes ilimitados para gestão do orçamento no período de crise. Isso significa dizer que teríamos um orçamento supostamente destinado ao combate do coronavírus, mas que não passa pelas mãos do ministro da saúde e nem se sujeita a controle pelo legislativo.

Em outras palavras: um voucher para corrupção.

Guedes faz piada: diz que dinheiro não cai do céu.

Entretanto, o governo federal liberou 203 bilhões de dinheiro público para os bancos, somente em março. Na ocasião, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que estava “absolutamente tranquilo em relação ao que estamos atravessando” e que o “arsenal [do BC] é grande”.

Enquanto isso, o auxílio para informais, que foi calculado pelo próprio ministro da economia como tendo um impacto entre 60 a 80 bilhões no orçamento da União, é inviabilizado.

Isso por si só já seria suficiente para desmascarar a farsa da necessidade de uma PEC.

Mas não bastasse isso, o governo obteve decisão favorável do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que aceitou o pedido de supressão dos obstáculos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal à expansão dos gastos públicos para conter a pandemia de Covid-19, em razão da decretação do estado de calamidade pública.

Bolsonaro e Guedes barganham com a fome da população mais vulnerável. E mentem. Não há qualquer entrave para imediata ordem de pagamento do auxílio aos informais.

Liana Cirne Lins é advogada, professora da Faculdade de Direito da UFPE, doutora em direito público, mestra em instituições jurídico- políticas e colunista da Revista Fórum, Mídia Ninja e Brasil 247.

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