Desde o início do governo Bolsonaro, o número de investigações policiais por apologia ao nazismo explodiu no Brasil. Dados da Polícia Federal apontam que esses casos subiram mais de 450%. Aparentemente, não há mais pudor de racistas e nazifascistas em fazer apologia criminosa da violência discriminatória, inclusive em redes sociais e plataformas de transmissão de conteúdo, sob o falso pretexto da liberdade de expressão.

O caso mais recente foi do Podcast Flow, em que o entrevistador Monark e o deputado federal Kim Kataguiri realizaram apologia ao nazismo e defenderam sua legalização.

As reações foram imediatas, principalmente contra Monark, que foi retirado da apresentação do podcast e teve contra si aberta investigação pelo Ministério Público de São Paulo. Outras consequências podem surgir. Afinal, a embriaguez de Monark não o isenta de responsabilidade. Ao contrário de configurar excludente de ilicitude, a embriaguez pode agravar sua pena, nos termos do art. 61, inciso II, alínea “l” do Código Penal.

Já Kim Kataguiri não estava acobertado pela imunidade parlamentar, uma vez que não estava no exercício de suas funções parlamentares. Deve responder por crime comum, além de responder ao processo de cassação do mandato, requerido por parlamentares petistas.

Em relação à utilização falaciosa do princípio da liberdade de expressão – princípio essencial ao Estado Democrático de Direito -, é uníssona a literatura jurídica nacional e internacional sobre seus contornos: não pode ser invocado para colocar em risco de extinção a própria democracia e os direitos das minorias. Invocar a liberdade de expressão para defender o direito a uma opinião racista ou nazista é um equívoco tão grosseiro quanto confundir o dever de guarda e zelo com as crianças com o direito a abusá-las sexualmente, a pretexto de fazer-lhes carinho.

Há, porém, um aspecto muito importante deste debate aparentemente esquecido: a responsabilidade das plataformas de divulgação desses conteúdos, tais como YouTube e Spotify nesses casos.

Monark não foi racista pela primeira vez. Em vários episódios de seu programa, defendeu abertamente a liberdade de se ter “opiniões racistas” e até mesmo a Ku Klux Klan – grupo terrorista dos Estados Unidos que matava negros. Logo, seu comportamento era conhecido pelas plataformas de transmissão de conteúdo, que em nenhum momento o puniram, nem sequer removeram o conteúdo discriminatório.

Disso resulta um fato importante: existe ciência e conivência das plataformas em divulgar um conteúdo que configura crime de racismo, nos termos da Lei.

Dessa forma, podemos dizer que, além de Monark e Kim Kataguiri, os canais de divulgação praticaram também o crime de apologia ao racismo, previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/1989, a Lei contra o Racismo. De igual modo, as plataformas que mantêm a transmissão cometem o mesmo delito. É isso que afirma o artigo 29 do Código Penal: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

O caso do cantor Neil Young contra o Spotify, que pediu a retirada de suas músicas da plataforma de streaming enquanto ela mantivesse podcasts anti-vaxes – reverbera a necessidade das plataformas serem responsabilizadas pelo conteúdo divulgado. Entendo que essa responsabilidade também é criminal, concorrente ao do autor do crime, quando há convivência por ação ou omissão.

O YouTube e o Spotify comportam-se como partícipes e cúmplices dos crimes de racismo cometidos na transmissão. A negligência em retirar do ar os trechos dos vídeos com as falas demonstra ainda mais a responsabilidade concorrente das plataformas, o que pode dar ensejo a processos penais contra seus administradores no Brasil, e – principalmente -, por processos civis de indenização por danos morais coletivos e danos sociais contra as pessoas jurídicas.

O crime de racismo é imprescritível, inafiançável e considerado repugnante por nossa sociedade. Por este motivo, a punição deve alcançar a totalidade de manifestações racistas perpetradas, inclusive aquelas ocorridas no passado e que não obtiveram a mesma reação social de repúdio[1]. E isso deve recair sobre todos os responsáveis, desde Monark e Kim por suas falas criminosas até sobre as plataformas que transmitem e mantêm no ar o conteúdo criminoso. Todos devem responder.

[1] Vale a pena acompanhar o debate sobre o “pacto narcísico da branquitude”, apontado como causa para que crimes racistas anteriores praticados por Monark tenham sido tolerados pela opinião pública.

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