Quando comecei a ler “A trégua”, muitas pessoas vieram me falar que eu leria um dos melhores livros da minha vida. Eu confesso que achei um pouco de exagero no começo, mas agora tenho a certeza de que subestimei a opinião dos meus amigos.

“Em geral, precisa-se de bastante coragem (um tipo especial de coragem) para manter-se em equilíbrio, mas não se pode evitar que aos outros isso pareça uma demonstração de covardia. E o tédio, hoje em dia, é uma grande desvantagem em geral as pessoas não perdoam.”

“Conheci” Mario Benedetti, uruguaio, na militância. As místicas sempre eram embaladas com um poema dele. Ali já tinha me apaixonado por sua escrita.

“A trégua”, que tem mais de 130 edições, foi traduzido para 23 idiomas e chegou às livrarias em 1960, é parte desse desbravar a América Latina e conhecer nossos companheiros de outra forma. Passei boa parte do livro esperando um teor mais político, o momento em que Martín iria organizar os trabalhadores e fazer a luta política por melhorias salariais. Mas ele não chegava e eu desisti. Deixei que o livro me levasse e fui obrigada a mudar minhas expectativas.

Benedetti conta a história de Martín Santomé que, com a proximidade da aposentadoria, começa a se questionar o que irá fazer dali pra frente. Em forma de diário, ele resolve narrar sua vida dia após dia.

“Se um dia eu me suicidar, será num domingo. É o dia mais desalentador, mais sem graça. Quem me dera ficar na cama até tarde, pelo menos até às nove ou às dez, mas às seis e meia acordo sozinho e já não consigo pregar o olho. Às vezes penso o que farei quando toda a minha vida for domingo.”

Martín era o “modelo de cidadão” da família tradicional . Branco, homem, classe média, viúvo, três filhos, homofóbico, machista, que perdeu a possibilidade de se transformar e que reflexo da sociedade em que vive: hipócrita. Uma sociedade que se diz moderna, mas que não consegue superar e enfrenta seu próprio conservadorismo.

Nesse momento preparatório para sua aposentadoria, ele se confronta com o amor novamente. Se apaixona por uma colega de trabalho: Laura Avellaneda, no primeiro momento, soa como uma trégua na vida dele.

A diferença de idade entre eles incomoda Martín. Laura acaba vivendo com Martín um relacionamento abusivo. Mas o livro não é uma história de amor. É uma verdadeira e necessária crítica social. É uma crítica baseada em elementos cotidianos.