De Pacajus-CE, irmãos sonham em ser escritores e emocionam público no encerramento da XII Bienal do Livro do Ceará  no Dia Mundial do Livro.

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Régis e Douglas durante a Bienal do Livro de Fortaleza.

Os irmãos Régis Oliveira, 22, e Douglas Girão, 18, planejaram por um ano como seria ir de Pacajus, na Região Metropolitana de Fortaleza-CE, para a XII Bienal do Livro do Ceará. Tinham dinheiro apenas para a passagem e um lanche, e dois grandes conflitos. Um era externo, afinal, diz Régis, bem pouca gente em Pacajus acredita que eles possam um dia vir a se tornar autores de literatura. O outro, interno: uma timidez difícil de fazer de conta que é ficção.

Mesmo assim, decidiriam se embrenhar no que acabou virando a grande aventura de suas vidas. Até aqui. Magrinhos, um pouco estrábicos, calados e atentos a tudo, eles chegaram ao Centro de Eventos do Ceará, sentando-se nas cadeiras mais ao fundo dos auditórios e resistindo sempre a chegar perto e a conversar com os escritores. Até um momento em que tremendo de nervosismo decidiram dar um passo crucial, e o consubstanciaram na forma de um presente a um dos escritores que acabava de fazer sua participação: uma coletânea de escritos de Caio Fernando Abreu que eles fizeram questão que fosse aceita como gratidão pelo que tinham ouvido e visto em uma das mesas. No encerramento da Bienal, 23 de abril, o Dia Mundial do Livro, eles estavam com um microfone em punho no palco principal do evento, entre diversos escritores, o secretário estadual de Cultura, Fabiano Santos, o curador Lira Neto e autoridades. Falavam de suas trajetórias para um público emocionado.

Em sua vez, disse Douglas: “Ouçam as palavras de quem começou a estudar com 10 anos. Existem coisas, nossas, que só entendemos quando lemos. Existe uma coisa que só entendo nos livros. Existe uma força que vem dos livros que rompe solidões. O tempo é tão importante e hoje sei disso. Pensei que não podia estar aqui. Apenas obrigado” .

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Se “Cada pessoa um livro, o mundo a biblioteca”, como dizia o slogan da Bienal, os garotos acabaram mostrando que cada pessoa pode escrever seus próprios livros ou mesmo suas bibliotecas pessoais e narrar suas vidas na direção de seus sonhos. Não importa se em circunstâncias pouco favoráveis.

Mesmo com as dificuldades enfrentadas, como serem alfabetizados com mais de dez anos, os irmãos hoje ensinam a mãe costureira o caminho das letras. O pai é vendedor de “colorau” (tempero de cor vermelha de uma planta usada pelos indígenas, o urucum, e pimentão) e Régis abandonou há alguns meses o trabalho de empacotador num supermercado. “Não queria mais aquilo, peguei o dinheiro das ‘contas’ para publicar o primeiro livro. Eu trabalhava muito e não tinha tempo”, revela. Agora com o ensino médio completo, a dupla de irmãos ainda não sabe se quer estudar Letras ou Jornalismo. “Louco por inglês”, Régis quer fazer um cursinho pra aprender. Tudo por causa da literatura.

“Foi um grande momento da minha vida e eu serei uma pessoa mais feliz por ter vivido aquele momento, porque quase ninguém acredita que eu possa ser escritor”, diz Régis. “Eu estava feliz, assustado mas a felicidade foi maior. Vou escrever muito e me dedicar mais ainda no meu sonho”.

A Bienal da diversidade

Para o secretário Fabiano dos Santos: “Essa foi uma bienal de encontros, que se marca pela diversidade, mas também há duas palavras que gostaria de destacar: foi um lugar de afeto e encontro. Contra o tempo de violência, houve aqui o tempo da leitura, da literatura e das artes”.

A XII Bienal do Livro do Ceará apostou no diálogo do livro com as culturas populares e as culturas das periferias. Além de diversos autores de renome nacional e internacional, como Valter Hugo Mãe, Luiz Ruffato, Conceição Evaristo, Daniel Galera, Marcelino Freire, Márcia Tiburi (colunista da Mídia Ninja), Eliane Brum, Daniel Munduruku e diversos outros, o curador Lira Neto e a organização do evento realizaram diversas rodas de saberes com mestres e mestras da cultura do Ceará e de outros estados do Nordeste, a Praça do Cordel, a programação de Literatura e Circo, além de atividades ligadas a jogos digitais etc. A abertura do evento homenageou os poetas populares Bule-Bule, Geraldo Amâncio e Leandro Gomes de Barros (in memoriam).

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A atividade “Bienal Fora da Bienal” levou autores a comunidades indígenas, de pescadores, uma unidade prisional e outros espaços ao redor da capital cearense para possibilitar o contato dessas populações com a programação do evento. Lira Neto falou de transformações pessoais possibilitadas pelo evento: “Queira dizer que saio dessa bienal renovado. Os dias são de desencanto. Muitas vezes me peguei achando que a pessoa mais sensata do país era o Belchior, que deu uma forma de sumir. Mas hoje acredito que não. A sensatez está em acreditar que podemos fazer um lugar mais bonito pra gente viver”, disse.

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Números da XII Bienal do Livro do Ceará

450 mil pessoas (média de 45 mil pessoas por dia, mesmo com problemas no sistema viário, registrados nos dias 19 e 20)
350 editoras110 estandes
60 mil títulos expostos
120 toneladas de livros
168 autores
300 convidados
125 horas de atividades, sempre com entrada franca
775 escolas visitaram a Bienal
34.500 estudantes
59 municípios
862 ônibus destacados para visitações escolares

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