Quando comecei a discutir pautas consideradas “progressistas” para o meio político brasileiro, logo me deparei com uma situação inusitada. À direita, me diziam que minhas ideias iriam destruir a família brasileira e mergulhar o país em um mar de imoralidade e desobediência civil. À esquerda, onde desde jovem sempre me identifiquei mais, também não faltaram aqueles que me acusavam de fragmentar o campo popular e atrapalhar a verdadeira luta política, que seria essencialmente econômica.

Entendi, na prática da militância, que a mera defesa pública do estilo de vida que já se encontrava ao meu redor naquele momento, seja em bares ou na casa dos amigos, me custaria um bocado de isolamento em ambos espectros estabelecidos da política brasileira.

Me surpreendi mais ainda quando notei que aquilo que para mim era simplesmente natural seria capaz de despertar cínica ira em parlamentares hipócritas, cujos estilos de vida eram absolutamente incompatíveis com seus discursos.

Acho que a maioria das pessoas certamente ficaria chocada se tivesse oportunidade de assistir, como uma mosca, à rotina da gente que integra em Brasília a bancada da bala. Ou à rotina de supostos religiosos fervorosos da bancada da Bíblia.

Seja dita a verdade, até no campo da esquerda não faltam estrategistas de xadrez calculando com base na próxima eleição quais das suas atitudes devem se transformar em uma bandeira política. Quem dera as pessoas vissem.

Jean Wyllys durante Marcha da Maconha no Rio de Janeiro. Foto: ASCOM Jean Wyllys

No meu caso, falem de mim o que quiserem. De mais cena do que das boas peças de teatro que sempre admirei, não faria parte. E não faço. Decidi não me curvar aos estímulos e caras feias. Eu optei por não disfarçar coisa que não penso só para agradar o cinismo das pessoas.

Em 2014, através de uma parceria com ativistas e coletivos anti-proibicionistas, apresentei um projeto de lei que legalizaria a maconha no Brasil e descriminalizaria o pequeno porte de outras substâncias (PL 7270/2014)

Claro. Se tráfico é um crime sem vítima, ninguém está se sentido lesado na cadeia de compra e venda, não fazia sentido para mim alocar recursos públicos em uma guerra racista que mata anualmente mais de 30 mil jovens e não detém a circulação das substâncias. Melhor seria que estes recursos fossem parar na educação ou no transporte ou na ciência. É evidentemente isto que nós precisamos.

Eu nasci em uma das incontáveis periferias pobres do Brasil onde a única face presente do estado é a polícia.  Meu pai era um homem negro e alcoólatra. Mas eu tenho a certeza que não o perdi para droga – legal – que fazia uso. Eu o perdi para pobreza.

E outros pobres continuam morrendo vítimas de balas achadas e perdidas sem qualquer destaque nos jornais da culta classe média, encastelada de medo atrás de cercas elétricas e vidros fumê. Nossa gente é desgraçada pela morte sem chance de cursar uma faculdade e pensar sobre a sua situação.

Chega! Eu não quero mais pagar esse preço irracional que corrói famílias e enche os bolsos de demagogos.

Maconha faz remédios, materiais industrializados e dá um barato similar ao da cerveja. Cansei de ver mulheres chorando suas perdas para manter essa guerra de senhores.

O quê não me falta são motivos para, com tantos outros Silvas, sair à próxima edição da Marcha da Maconha que acontece no próximo sábado, em centenas de cidades pelo mundo. Marchamos simultaneamente porquê nossa luta é pela mesma causa. A troca da ganância pela vida.

 

Marcha da Maconha. Foto: Mídia NINJA

Marcha da Maconha. Foto: Mídia NINJA