O comportamento de determinada parcela da sociedade é exemplificativo da realidade brasileira nesses tempos de intolerância dirigida. Fulano fica horrorizado ao pensar nos recursos públicos gastos com auxílio reclusão. Beltrana defende a pena de morte, pois bandido bom é bandido morto. Cicrano quer ver aprovada a PEC da maioridade penal o mais rapidamente possível, porque se o delinquente anda armado e mata como um adulto deve responder como adulto. Todos eles repudiam esses criminosos e acham que eles têm uma vida boa demais às custas do dinheiro público. Acham que são irrecuperáveis, que nasceram para o crime e que não há razão para tentar ressocializá-los.

Os argumentos para defender tais teses são múltiplos e vociferados à exaustão cada vez que ouvem a expressão “direitos humanos”. O melhor deles é “direitos humanos são para os humanos”. A lista de tamanha elaboração filosófica é infinda, mas esbarra num pequeno obstáculo. A regra não é válida para todos, mas apenas aos que consideram indignos de qualquer tratamento mais justo e humanitário. Para falar com clareza, a intolerância é dirigida aos pobres, negros e, mais recentemente, aos que ousam defender ideias “comunistas” ou de esquerda.

Esqueçamos por um momento que o goleiro Bruno é uma figura conhecida.

Que tem recursos financeiros compatíveis com uma vida confortável. Que era um ídolo conhecido. Esqueçamos que Bruno é Bruno. Aqui e agora ele é apenas mais um brasileiro.

Este brasileiro, desconhecido, pobre, negro, cometeu um crime com requintes de crueldade. Foi condenado a 22 anos e três meses de prisão, dos quais 17 anos e 6 meses em regime fechado, por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, meio cruel e uso de meio que dificultou a defesa da vítima, cárcere privado e sequestro da vítima e do filho deles e ocultação de cadáver. Por sua confissão, sua pena foi reduzida em três anos, mas aumentada em seis meses por ter sido o mandante.

Pois bem. Era de se esperar que este brasileiro fosse alvo da mesma reação a que estão submetidos todos os outros “bandidos”. Que enfrentasse as mesmas dificuldades, após o cumprimento de sua pena, para mudar de vida e conseguir um emprego que lhe permitisse isso. Mas, eis que, após a liberdade concedida pelo STF até o julgamento de um recurso, este brasileiro volta às ruas e, além de não ser hostilizado, é parado para selfies. Recebe propostas de emprego. É abraçado por pessoas que nem pensariam em acolher um ex-presidiário.

Percebem que há algo muito seletivo neste comportamento?

Por que o status social orienta nossa empatia e tolerância? Por que uns serão eternamente merecedores de nossa compaixão e perdão e outros serão jogados na vala comum pela ignorância e incompreensão de alguns?

Não entro aqui no mérito da decisão que permitiu sua liberdade. Mas precisamos usar seu exemplo para que as pessoas percebam que a classe social e a opção política não podem ser o termômetro para julgarmos. Se ele é rico, branco e de direita é honesto. Se é pobre, negro e eleitor de partidos de esquerda, não presta. Até onde essa falsa dicotomia vai nos levar?

Eu digo. Já está nos levando. Para um país intolerante. Que defende benesses para poucos. Que divide a sociedade entre homens e mulheres. Homossexuais e heterossexuais. Pobres e ricos. Pessoas de direita e de esquerda. Negros e brancos. Um país onde a igualdade de direitos é letra morta.

Este não é meu país. E não deve ser o país de nenhum brasileiro e brasileira que acredita e defende a democracia.