por Andréia de Jesus, Áurea Carolina, Cida Falabella e Bella Gonçalves, parlamentares da Gabinetona eleitas pelas Muitas / PSOL-MG

Foto: Edinho Vieira / Gabinetona

Quando chegou a notícia da sua morte, há um ano, foi o maior dos baques. Mais uma de nós tombava, mais um corpo negro estendido no chão. Mulher negra, favelada, que superou todos os obstáculos que sabemos serem muitos para estar lá (para estar aqui), representando outras milhares de mulheres negras, de pessoas pobres, de pessoas de toda forma oprimidas. A sensação era a de que tombávamos junto, como sempre sentimos, você sabe, quando irmãs e irmãos padecem diariamente. “A carne mais barata…”. Com o agravante de que eles mataram uma representante eleita, uma de nós que, contrariando as estatísticas, ocupava um espaço de poder, um atentado ao Estado democrático de direito, um aviso para não ousarmos sair da senzala.

Mari, companheira de luta, estamos aqui, entre a saudade e a indignação, com uma dor que insiste em não passar. A dor deixada pela injustiça e pela violência do crime cometido contra a sua vida e contra a nossa tão frágil democracia. No dia 14 de março, completamos 365 dias sem respostas. Um ano sem Anderson, seu parceiro de trabalho, que também está em nossos pensamentos. Um ano perguntando: quem mandou matar Marielle Franco?

A descoberta de quem apertou o gatilho não elucida a teia complexa que envolve a sua execução, não responde às nossas perguntas nem acalma nossos corações. Desde sua morte, Mari, nosso país mergulhou em um mar de lama.

Um pouco antes do seu assassinato, quando nos encontramos naquele primeiro Ocupa Política, em dezembro de 2017, naqueles dias intensos de trocas e utopias vividos na Ocupação Carolina Maria de Jesus, a situação do país já era terrível. Vivemos tempos ainda mais sombrios, ainda mais distópicos. Sua morte foi um marco das tentativas de silenciamento, intimidação e aniquilamento das ativistas e dos ativistas dos direitos humanos. O contexto, que nunca foi favorável, é extremamente perigoso para quem luta contra violações e por melhores condições de vida para o povo. Contexto que vem sendo potencializado pelos discursos de ódio, pelo desmonte de políticas públicas fundamentais para enfrentar as desigualdades e pela ação de milícias, inclusive no espaço virtual.

Lula hoje é preso político e o juiz que o condenou, sem provas e sem nenhum pudor, é agora ministro da Justiça – assumiu que sempre teve lado e partido. As relações entre as milícias e o poder tomam conta de todos os noticiários do país sem que os implicados mostrem qualquer consternação ou constrangimento. A violência, a cultura de morte e o ridículo político tomaram conta do Congresso Nacional, alimentado diariamente pelas fake news.

Foram elas, as notícias falsas, que elegeram um homem abertamente racista, machista e totalmente despreparado ao poder central do país.

A política hegemônica incorporou o ódio em suas práticas – chamam de “mimimi” até as ameaças de mortes, na tentativa de diminuir ou invisibilizar as violências que avançam sobre nossos direitos e sobre nossas vidas. Mari, o Jean Wyllys – nosso amigo, o primeiro parlamentar brasileiro declaradamente gay – deixou o país devido às ameaças que sofria. A renúncia de um parlamentar a um cargo público por não se sentir seguro é uma terrível confirmação do colapso das instituições democráticas, mas não interrompeu a sua luta – ele segue anunciando ao mundo o que houve e está havendo aqui. Marcia Tiburi acaba de partir também do Brasil – sua inteligência, seu pensamento e sua construção política incomodaram demais.

Eles tentam nos silenciar, sem entender a natureza da nossa luta. Nos multiplicamos e megafonizamos nossas vozes. Também por isso reafirmamos: Marielle, você não foi interrompida! Xangô, que está acima da justiça dos homens, está operando. Você vive em cada uma de nós. Fortaleceu os laços de uma rede revolucionária. Uma multidão de mulheres está se rebelando em todo país.

Por isso eles não esperavam!

Neste solo floresce uma primavera feminista, negra, LGBTI e favelada!

Nosso 8 de março foi forte, de uma beleza emocionante. Fomos às ruas nos posicionar contra os crimes da Vale, contra a Reforma da Previdência que avança sobre nossos direitos, para gritar o seu nome e exigir respostas. Fomos às ruas no país inteiro, num ritual grandioso, em uma marcha vitoriosa que nos encheu o peito de potência porque se fez plural e unificada em nome das nossas vidas. Das vidas de todas nós. Nossa marcha se fez pela força coletiva e pelo respeito às nossas diferenças. Mulheres negras, indígenas, travestis e trans, prostitutas, de diferentes credos ou que não professam nenhuma religião.

Somos multiplicidade em movimento e a nossa dor é canalizada na luta. Nossa tristeza vira força criativa para a construção de políticas públicas. Nossa pulsão vira lei! Foi o caso do projeto que aprovamos em Belo Horizonte, neste mês – o PL 533/2018, fruto de uma construção aberta e coletiva, busca garantir que mulheres em situação de violência, que forem atendidas e encaminhadas por equipamentos públicos da cidade, tenham o direito à moradia assegurado. Também neste mês, celebramos a instauração da Comissão de Mulheres na Câmara Municipal da capital mineira – um feito histórico e instrumento importantíssimo para enfrentara violência e somar na luta pela garantia de nossos direitos.

Nosso desejo de justiça alavanca mais de nós aos espaços de poder. E é por isso que eles temem e tentam destruir essa potência. A fraude que tenta usurpar nosso direito em benefício dos partidos é um golpe contra todas nós. Não nos são possibilitadas as mesmas oportunidades e condições de disputa aos cargos eletivos; nossos cotidianos são atravessados por violências e injustiças que nos impedem a participação igualitária nos vários campos da vida social – apesar disso, ampliamos e crescemos na ocupação feminina da política.

Daniela Monteiro, Renata Souza e Mônica Francisco, três mulheres negras da sua mandata, Mari, são sementes maravilhosas do seu legado. Vibramos por aqui quando soubemos que elas se elegeram deputadas estaduais.

Elas estiveram conosco naqueles dias de Ocupa Política e seguimos irmanadas, trocando afeto e ideias para nos fortalecermos nos parlamentos. São sementes como as que florescem também em Minas Gerais [em 2018, Áurea Carolina foi eleita deputada federal e Andréia de Jesus deputada estadual]. Como as que florescem nas figuras das queridas Talíria Petrone, Olívia Santana, as Juntas Codeputadas, Érica Malunguinho, Monica da Bancada Ativista e cada mulher negra que avança.

Nós estamos fazendo história, ocupando espaços que nos foram negados. E você, como um girassol, ilumina nossos trajetos, guia nossos caminhos e permanece presente como sempre foi: uma liderança que respeitamos e admiramos. E é imensa. Você está conosco em cada ato público, nas falas em plenário, nas entrevistas, nos artigos, nas placas que carregamos, nos muros que grafitamos, nos desfiles do carnaval, nas imagens que projetamos, nas músicas, nas poesias. Por você, nem um minuto de silêncio, a vida toda de luta.

Marielle, presente!

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