Por Jardel Felipe*

Completamos 134 anos da abolição da escravidão com a Lei Áurea, em 2022. Somos mais de 50% da população brasileira, deveríamos estar gozando o prazer de ir e vir sem medo de ser encarcerado ou morto, por ações truculentas da polícia, normalmente insondáveis.

Infelizmente, “o racismo ronda sua existência na condição de um fantasma desde o seu nascimento”, escreveu Neuza Santos Souza em seu livro Tornar-se Negro.

Conforme matéria no portal Geledés, datada de 05 de maio 2016, Neuza “suicidou-se sem antes jamais ter dado sinais de depressão ou de que pudesse um dia recorrer ao gesto extremo de tirar a própria vida”. Com importantes contribuições para além do seu tempo, a mesma foi fundamental na compreensão dos impactos do racismo na subjetividade.

Neuza esteve muito à frente de seu tempo. Formou-se em medicina na Faculdade de Medicina da Bahia e estudou seu conterrâneo Juliano Moreira, médico e psiquiatra negro.

Neuza era uma mulher negra e sabia do sofrimento de negros e negras causados por preconceito e discriminações raciais. Apesar de todas as contribuições para a luta antirracista, Neuza estava ciente que não tinha conseguido acabar com a injustiça, humilhação e desrespeito com a qual um conjunto significativo da sociedade brasileira tem tratado a população negra.

Embora existam mudanças provocadas pelas politicas de ações afirmativas no campo da educação, a entrada de estudantes negros tem causado um número elevado de casos de adoecimento psíquico mediante ao racismo e suicídio de estudantes negros.

Há alguns dias, o portal Brasil de Fato, mais precisamente no dia 15 de agosto de 2022, publicou uma matéria onde estudantes denunciam o racismo sofrido por uma jovem negra, estudante da UERJ. Não sendo o único caso, pois no mês de agosto, já somavam dois casos, primeiro o caso comentado acima supracitado, e o segundo, adesivos racistas foram colados no banheiro da instituição.

É lamentável que mesmo após quase 135 anos da abolição da escravatura ainda sejamos submetidos a tamanho despautério. O incomodo da supremacia branca brasileira com os cotistas nas instituições de ensino pelo país a fora, demonstra que apesar das nossas conquistas, temos muito a conquistar, que apesar de termos vencido algumas batalhas, temos muito a batalhar. Neuza enfatiza que “a escravidão acabou, mas a nossa luta continua.”

Nesse contexto, com a humilhação e com o desrespeito com que o conjunto da sociedade brasileira ainda nos trata é realmente possível amar nossos corpos, amar nossos cabelos, nosso nariz e nossos lábios? Qual o impacto causado em nossas subjetividades quando precisamos encarar o olhar de desconfiança e reprovação dos outros? Como podemos nos livrar do sentimento que nos é imposto, que somos cidadãos de segunda categoria?

Enquanto a supremacia branca mantiver seus privilégios, tornando invisível tudo que não é branco, também ela perde, não alargando seus horizontes.

Enquanto população em sua maioria, precisamos ter a difícil tarefa de ampliar processos que produzam identificação positiva com a nossa negritude, já que o racismo persiste em destruí-la.

“A descoberta de ser negra é mais do que a constatação do óbvio. […] Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a exceptivas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar a sua história e recriar-se em suas potencialidades. […] Ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro”, Neuza Santos Souza.

Jardel Felipe é estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades – UNILAB/CE | Bolsista do Programa de Educação Tutorial de Humanidades e Letras – UNILAB/CE | Membro filiado ao NEAABI – UNILAB/CE | Membro Filiado do Movimento Negro Unificado – MNU/CE