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ANCESTRALIDADE E TERRITÓRIO DE CURA

Pajé Nato Tupinambá, contexto urbano, Alter do Chão (Santarém-PA)

 

O Pajé Nato Tupinambá benzendo uma indígena

O pajé Nato Tupinambá vive em Alter do Chão, região periurbana de Santarém, a segunda maior cidade do Estado do Pará, às margens do Baixo Rio Tapajós. A zona turística, conhecida internacionalmente como “Caribe Brasileiro”, é uma sobreposição à Aldeia indígena do povo Borari, que ainda não possui o território demarcado.
Apesar do movimento de luta pelo reconhecimento étnico e regularização fundiária do território ter iniciado oficialmente no ano de 2003, somente em 2008 a Fundação Nacional do Índio (Funai) criou um Grupo de Trabalho para a realização dos estudos de identificação e delimitação da terra indígena Borari. Desde então, o processo de demarcação segue indefinido. Por outro lado, a população originária de Alter do Chão está em um processo de retomada da identidade e preserva formas de organização e relação social das sociedades indígenas.

Pajé nato durante ritual de pajelança em tempos de pandemia

A pajelança é um símbolo dessa expressão étnica que permanece viva entre os indígenas Borari.

O bairro Jacundá, localizado em Alter do Chão, é fruto de uma mobilização em torno da retomada do território Borari, uma vez que, no início dos anos 2000, houve uma tentativa de grilagem massiva da terra pelo empresário Rui Nelson, que loteou o território e o ocupou com o respaldo da Prefeitura. Após a luta para a retirada do grileiro da região, a área de aproximadamente 48.000 metros quadrados foi loteada pelas lideranças indígenas e dividida entre os Borari que participaram ativamente da ação. Um total de 80 lotes foi distribuído entre as famílias, e o restante da área foi destinado para construção de estruturas comunitárias.

Vítima da desassistência de saúde do atual governo, Luiza faleceu em sua casa, logo após voltar de Santarém, cidade mais próxima da aldeia, com todos os sintomas da doença até então desconhecida. Ela ia uma vez por mês à cidade para ter acesso ao auxílio que recebia do INSS. 

Nato em sua residência, ao lado da casa de cura, no bairro do Jacundá, em Alter do Chão

É nesse bairro, Jacundá, que o pajé Nato Tupinambá possui sua casa de cura e atende pessoas indígenas e não-indígenas dos municípios nos arredores de Santarém, principalmente Aveiro e Belterra. Nato explica que “não existe pajé sem o território”, por isso a luta pelo direito à terra é fundamental para a manutenção da cultura de cura e sobrevivência dos indígenas.

 

Nato em sua casa de cura, onde benze, puxa e faz garrafadas

“O território é um espaço muito sagrado para todos os indígenas, e um pajé, ele não pensa só nele, ele pensa no bem comum de todos”, explica Nato.

 

Aos 50 anos, o Pajé Nato assume o seu papel como líder espiritual da Aldeia Borari de Alter do Chão e atua fortemente no movimento indígena para apoiar os processos políticos que visam à defesa do território tradicional contra a pressão e o assédio da especulação imobiliária na região. Além de possuir os conhecimentos nativos sobre o uso das plantas medicinais, Nato também é parteiro e “puxador”, uma espécie de massagista ou quiropraxista. Desde os 18 anos de idade, o pajé começou a trabalhar sua pajelança e se afirmar como tal.

 

Nato usa seu dom de cura para trazer bem estar, curar os males do corpo de do espírito

“O dom de cura é você receber essa graça divina do criador. Um pajé não é só nascer e aprender não, ele tem que nascer com o dom, e esse dom é uma coisa que Deus dá desde o ventre da sua mãe, aí depois você vai aperfeiçoando. A força da natureza lhe ensina, os ancestrais ‘faz’ essa conexão conosco, e essa conexão é uma coisa muito forte”, explica Nato.

 

Nato faz preparos para fortalecer o sistema imune das crianças de sua aldeia, no bairro do Jacundá

Covid-19 na Aldeia Urbana

 

Segundo dados das Secretarias Estaduais de Saúde, apontados pelo monitoramento da Fiocruz, Santarém é o segundo município do Pará com mais óbitos acumulados por Covid-19. São 885 confirmados até o início de junho de 2021. Nesse cenário, Alter do Chão, com 38,6 km de distância de Santarém e com um alto grau de trânsito turístico, teve grandes picos de crise epidemiológica e, desde o começo da pandemia, já entrou duas vezes em bandeiramento preto, que significa lockdown e risco elevado de contaminação da Covid-19.


Com a emergência sanitária, inexistência de vagas na UTI e falta de atenção médica especializada aos indígenas na região, Nato Tupinambá esteve à frente no apoio do combate à pandemia nos momentos mais críticos.

“Quando começou a pandemia, a gente achava que não era muito perigoso. Eu adoeci porque eu estava aqui na aldeia fazendo essa linha de frente de remédio de preocupação, ajudando as famílias com medo pra não adoecer e, de repente assim, a gente se sente surpreendido, eu fui contaminado”.

 

Em tempos pandêmicos, Nato deixa seus preparos (garrafadas) em uma tora de madeira e se afasta, para que a pessoa
que fez a encomenda possa pegar com segurança

Após ter contraído a doença, o Pajé Nato iniciou atendimentos remotos que complementam as indicações do médico. “Eu fiquei bom e comecei a não receber mais ninguém em casa, tratando assim, eu só faço remédio e me liga, né: ‘Nato, eu tô doente, tô com Covid, eu tô passando mal.’ ‘Você já foi no posto?’ ‘Já!’ ‘Tá tomando remédio?’ ‘Tô em casa!’ Aí mando o chá e a pessoa esquenta lá e toma”, explica o pajé sobre os procedimentos que fornece aos seus parentes contaminados por Covid-19.

 

 

 

A medicina da floresta em cascas, sementes, frutos…

Para Nato, as medicinas da floresta são um importante mecanismo e a vacinação é uma medida necessária para fazer com que a diminua a contaminação por Covid-19 nos territórios indígenas.

 

 

 

“A cura, várias epidemias se passaram já e sempre foram ‘combatidos’ com as vacinas, já começamos o processo de vacinação e queremos que todos os parentes possam se vacinar”, diz o pajé sobre a importância da imunização nas aldeias.

 

“A força de um guerreiro, a força de um Pajé”

O pajé, entre os povos indígenas, é um grande mestre possuidor das técnicas ancestrais e nativas da cura, nos campos emocional, espiritual e corporal. Em distintas e complexas categorias de cura e espiritualidade que um corpo não-indígena não é capaz de definir, a presença do pajé é uma força política que contribui sobremaneira para as comunidades indígenas passarem por esse processo de crise pandêmica.

Para chamar os encantados, Nato sopra a fumaça da queima da casca de tauari, uma árvore nativa do Norte do Brasil

Em Alter do Chão, após séculos de violência étnica, a autoidentificação do povo Borari perpassa também pelo fortalecimento da pajelança, ligado à luta pelo território e à conservação da floresta em pé. A ancestralidade é um fator essencial para manutenção dos ritos de cura e de preservação do que é sagrado para um povo. Para os Boraris, a pandemia evidenciou a importância da manutenção dos ritos ancestrais.

 

 

“Nesse período de pandemia, nós trabalhamos com nossa sabedoria de ancestralidade. O pajé é isso: ancestralidade, força divina, a força que nós, como guerreiros, temos que lutar pelos nossos territórios, territórios sagrados”, finaliza o pajé Nato Tupinambá.

 

 

Reportagem especial: Mídia Ninja e Amazon Watch
 Reportagem: Tainá Aragão 
Fotos: Leonardo Milano
Vídeos: Priscilla Tapajoara
Edição de Vídeo: Benjamin Mast
Design: Yasmim Moura, Aruan Mattos
Diagramação e montagem: Kelly Mariah Batista