Na semana em que Fabrício Queiroz é finalmente preso, além de todos os desdobramentos para os quais este caso aponta (movimentações financeira atípicas, emprego de funcionários fantasmas, cobrança de “rachadinhas”, envolvimento da família presidencial com as milícias cariocas e os assassinatos de Marielle Franco, Anderson Gomes e Adriano da Nóbrega) são três as investigações que tiram o sono do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido): 1) o inquérito que visa apurar a suposta tentativa de interferência política do presidente na Polícia Federal; 2) o inquérito das fake news; e 3) o inquérito que investiga atos contra a democracia.

O primeiro deles não foi o primeiro a ter sido aberto. Foi instaurado por requisição da Procuradoria Geral da República (PGR), em decorrência das declarações do ex-ministro Sérgio Moro, por ocasião de seu pedido de demissão, ocorrido em 24/04. O seu relator no STF é o ministro Celso de Mello. Esse inquérito se refere a supostas tentativas de interferência política na PF que, por sua vez, visavam blindar o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho 01, em função das investigações que estão em curso e que abrangem o período em que o hoje senador era, então, deputado estadual na Alerj. Tais investigações, por sua vez, referem-se à prática de empregar funcionários fantasmas, com cobrança de rachadinhas e lavagem de dinheiro.

O segundo deles, o das fake news, foi aberto em abril de 2019, por determinação do presidente do próprio STF, ministro Dias Toffoli. O seu relator na Corte é o ministro Alexandre de Moraes. Tal inquérito investiga a prática de produção e difusão de notícias falsas, além de ofensas, agressões, ataques e ameaças a membros do próprio STF, dentre outras autoridades e instituições, perpetradas por meio da internet. Relaciona-se com a atuação de uma rede digital de milicianos virtuais que, ao assim agir, tenta intimidar pessoas e instituições sob a coordenação do chamado “Gabinete do Ódio” – organização criminosa formada por fanáticos, trollbots, perfis fakes e hatters em geral – financiado, ilicitamente, com recursos públicos e privados, para caluniar, injuriar e difamar adversários políticos e membros de poderes e instituições cujas decisões venham a contrariar os interesses da turma. As postagens em redes sociais oriundas de tal rede seriam ainda impulsionadas a partir de mecanismos de monetização, em que há o disparo em massa por intermédio de equipamentos e softwares desenvolvidos, especificamente, para isso. Ele atinge o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho 02, suposto coordenador da indigitada Orcrim.

O terceiro inquérito também foi aberto a pedido da PGR, em abril desse ano. O seu relator é o ministro Alexandre de Moraes. Essa investigação afeta o deputado federal Eduardo Bolsonaro (Republicanos-SP), o filho 03, que seria um dos articuladores das ações de rua que a família presidencial realiza e/ou apoia, por intermédio de interpostas pessoas. Investiga atos daqueles que estão dispostos a ir às ruas para defender Bolsonaro em manifestações – em princípio legítimas – mas, que acabam resvalando em atitudes antidemocráticas, tais como pedir o fechamento do Congresso Nacional, do STF e defender a volta da Ditadura Militar e do AI-5, questões proibidas pela Constituição Federal. Foi no âmbito deste inquérito que foi decretada a prisão da extremista Sara Winter, líder do grupo paramilitar armado “300 do Brasil”.

Vale destacar que os inquéritos de número 2 e 3 desaguam ainda nas diversas ações de investigação da justiça eleitoral (AIJEs), que tramitam perante o TSE e que remetem ao fato de que tais práticas (de delitos virtuais e de atos antidemocráticos) remontam ao período da campanha eleitoral de 2018, tendo continuado, com ainda mais intensidade, após a posse do presidente.

Em todos eles, o problema do presidente está, justamente, naqueles que por ele foram incumbidos das funções relacionadas ao serviço sujo da família. Aliás, os inquéritos nos ajudam a compreender como estaria delimitada a distribuição de funções na Orcrim presidencial, ao melhor estilo da máfia italiana: Jair seria o Don; Olavo de Carvalho, o Consigliere; Carlos, Flávio e Eduardo são os Caporegimes: Carlos cuidaria da comunicação (leia-se, da milícia digital); Flávio cuidaria das finanças (leia-se, dos funcionários fantasmas, das lojas de chocolate, dos investimentos em imóveis e outros empreendimentos ligados às milícias cariocas, destinados a lavar o dinheiro coletado nas rachadinhas); Eduardo cuidaria do braço armado (leia-se, das milícias reais), tendo todo um carinho para com a atuação de grupos paramilitares. Efim, um inquérito para cada um dos filhos presidenciais que atuam na política!

Nos casos em análise, chama a atenção o pensamento deturpado do presidente, bem como a sua tentativa de convencer a população sobre sua versão distorcida da realidade. Ele crê – e tenta fazer crer – que democracia e liberdade de expressão são a “faculdade” de criar e espalhar fake news, promover linchamentos morais, execrações públicas e destruição de biografias, por intermédio de suas milícias, virtuais e reais. Ocorre que nenhum direito é absoluto! Liberdade para se expressar não é liberdade para ofender, agredir, atacar, ameaçar, intimidar, caluniar, injuriar, difamar ou atentar contra o Estado Democrático de Direito.

O que esses seres do submundo da vida pública chamam de “direitos violados” e “ideias perseguidas”, são em verdade, apologias e incitações à prática de crimes. O que eles chamam de “abusos” do Poder Judiciário são atos de legítimo exercício da jurisdição. Mas, o que impressiona mesmo é o cinismo, a cara-de-pau desses sujeitos que habitam a sarjeta, o esgoto da política: mentem sobre tudo e a tudo distorcem.

Queiroz foi preso em um imóvel de propriedade de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro. O imóvel constava nos cadastros da OAB/SP como um escritório de advocacia, protegido sob o manto da inviolabilidade. Porém, trata-se de um escritório de fachada. Há menos de um ano atrás, Wassef afirmou não saber do paradeiro de Queiroz, pois não era seu advogado. No entanto, o caseiro da propriedade teria afirmado à polícia que Queiroz estava na casa havia 1 ano. Na véspera da prisão de Queiroz, Wassef esteve presente na posse do novo ministro da Comunicação, Fabio Farias e, pelo menos, outra meia dúzia de vezes no Palácio do Planalto nos últimos meses. As coincidências pululam e o cerco vai se fechando.

A bem da verdade, esse pessoal do Bolsonaro era tudo bandidinho de 5ª “catiguria”. Milícia vive de fazer rolo com gatoNET, ligação clandestina de energia e de água, entrega de gás, segurança de lojas e residências: fazem fortuna extorquindo gente pobre. Se inteligentes fossem, teriam permanecido sob a proteção da penumbra em que habitavam. Foram se meter a besta de colocar a cabeça de fora, o mundo desabou sobre elas. Bem feito.

A depender dos desdobramentos do caso Queiroz e dos três inquéritos, os militares podem desembarcar do governo. A turma da ativa está ressabiada e hoje, só os da reserva, sobretudo os generais de pijama, ainda seguem fiéis ao Bolsonaro. Aguardemos.

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