Diálogos entre o juiz e as partes de um processo judicial são normais. Aliás, o magistrado tem o dever de receber e atender as partes, em audiência, quando solicitado, em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento do expediente forense, independente de hora marcada. O que não é normal é o juiz instruir uma das partes para que suas peças jurídicas e respectivos pedidos sejam elaborados de tal forma que, posteriormente, venham a ser julgados procedentes. Isso é a forma mais canhestra e descarada de prejulgamento. E isso não é normal.

Os diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador da República, coordenador da força-tarefa da operação lava jato, Deltan Dallagnol, divulgados nesses últimos dias, em complemento aqueles que já haviam sido divulgados no âmbito da série de reportagens denominada de Vaza Jato provam que o coordenador da operação era, de fato, o juiz Moro e não o procurador Dallagnol. Tudo era combinado previamente com o magistrado. Antes de ajuizar/protocolar qualquer peça jurídica, os procuradores do MPF, membros da FT submetiam tudo à apreciação prévia de Moro, que dizia se estava de acordo ou não. Moro, órgão julgador, se comportava como um assessor jurídico do órgão acusador. Isso demonstra, claramente, uma combinação do jogo processual entre quem acusa e quem julga. E isso não é normal.

É por isso que, em alguns países, o juiz da instrução penal não é o mesmo juiz que julga o caso/processo. Porque se considera que o ato de deferir ou não pedidos aptos a interferir na produção de provas macula a imparcialidade do magistrado. No Brasil, o juiz da instrução é o mesmo que julga a ação penal. Mas, Moro foi muito além disso. Ele auxiliava a parte acusadora na elaboração da estratégia investigativa, na escolha da tese jurídica a ser utilizada e até mesmo na redação das peças jurídicas, de forma que não havia outro julgamento possível, senão a concordância com os pedidos do MPF e a consequente condenação dos acusados. Isso caracteriza interferência do juiz na produção de provas. E isso não é normal.

Antecipação de decisão, combinação de jogo processual entre quem acusa e quem julga e interferência do juiz na produção de provas não são “filigranas” processuais para serem desconsideradas. São garantias que constituem o rol dos direitos fundamentais de cada cidadão. É constrangedor constatar que profissionais do direito assim agiram e foram imolados e alçados, pela imprensa, à condição de super-heróis do combate à corrupção, sendo que, para isso, usavam de práticas ilícitas. É coisa de gente safada, canalha, calhorda, conduta comparável apenas ao comportamento reptiliano conspiratório do General Villas Bôas, de intimidar, com ameaças, a mais alta Corte de Justiça do país e, assim, interferir nos resultados de uma eleição. Mas, esse já é assunto para outro artigo.

Como “escusas” o ex-juiz e ex-ministro da Justiça do desgoverno Bolsonaro disse, em “nota oficial”, datada de 1° de fevereiro de 2021, o que já se sabe ser de seu feitio: que não reconhece a autenticidade das mensagens (o que foi reconhecido em perícia judicial); que estas foram obtidas de forma ilícita (o que é verdade, mas, tal fato não anula o seu conteúdo e nem o seu uso, pela defesa de um réu); e que, ainda que autênticas ou obtidas por meio lícito, não haveria nada de errado com o conteúdo ou teor das mesmas. Ou seja, afirma, cinicamente, que não praticou aquilo que está provado que praticou: conluio, colusão. Até quando vamos aceitar o cinismo como justificativa? Até quando vamos normalizar o anormal?