Foto: Katie Maehler / Mídia NINJA

Nessa semana, quinta-feira, 28/11, o Acre recebeu, no plenário de sua Assembleia Legislativa, o professor da Universidade Federal do Alagoas (UFAL), Luiz Carlos Baldicero Molion, PhD em Meteorologia pela Universidade de Wisconsin, USA (1975); pós-doutor em Hidrologia de Florestas pelo Instituto de Hidrologia, Inglaterra (1983); e acadêmico do Instituto de Estudos Avançados de Berlim (Wissenschaftskolleg), Alemanha (desde 1989).

O professor contesta as teses científicas preponderantes, incluindo aquelas do Painel de Mudanças Climáticas da ONU (que reúne cientistas do mundo inteiro), segundo as quais a floresta amazônica e seu bioma, além de sua importância em si mesmos, teriam função de regulação climática tanto da região quanto do restante do continente, sobretudo no que diz respeito ao regime de chuvas.

Em verdade, o professor não apresenta fundamento científico algum para embasar suas teses, exceto o argumento de autoridade de quem é detentor de alguns títulos acadêmicos e suposições conspiratórias que envolvem interesses comerciais na arena internacional (questões de natureza política e não de natureza meteorológica, hidrológica ou climatológica). É evidente que, na geopolítica internacional do poder, há interesses outros por detrás do discurso de preservação da Amazônia, disso poucos discordam. Mas, isso não deslegitima o propósito de uso racional dos recursos naturais. Suas teorias careceriam, assim, dos mesmos fundamentos de validade que, supostamente, estariam ausentes nas teses contra as quais ele se contrapõe.

Sem adentrar no mérito de suas formulações, percebe-se, contudo, que tal esforço teorético tem um claro objetivo subjacente:

1) difundir a ideia de que a remoção da cobertura florestal – decorrente da ação antrópica materializada nos desmatamentos e nas queimadas – visando a formação de pastagens para a pecuária extensiva ou de lavouras para plantio de monoculturas como a soja não tem o condão de impactar negativamente o clima, o solo e o ecossistema da região, cujos impactos seriam decorrentes, apenas, das alterações nos ciclos climáticos naturais do planeta;

2) que, em assim sendo, a legislação ambiental que impõe restrições ao desmatamento deve ser modificada, de forma a permitir a expansão da fronteira agrícola e pecuária em áreas cujo zoneamento ecológico-econômico aponta como propícias a atividades fundamentadas na floresta em pé.

Há, aqui, duas questões que ressaltam aos olhos:

A primeira é a tentativa de usar a ciência para fins políticos. Criar simulacros de fundamento científico para conferir um verniz de cientificidade a justificar uma postura política – cujo fundamento é ideológico e não científico – é algo abjeto.

A segunda questão diz respeito a falta de ética de quem propõe um debate nesses termos. É intelectualmente desonesto dar tamanho espaço para adeptos de teorias negacionistas, obscurantistas e conspiratórias, típicas do olavismo/bolsonarismo.

Penso que uma Assembleia Legislativa, apesar de se supor democrática, de dever conviver com o pluralismo de ideias, não pode se dar a pachorra de fazer apologia a esse tipo de pensamento, verdadeiro desserviço à ciência, à razão e à lógica aristotélica. Daqui há pouco vamos receber terraplanistas no plenário da Casa do Povo Acreano, com tapete vermelho, pompa e circunstância? O plenário da ALEAC é algo sério, não deve se destinar a esse tipo de galhofa…

Misturar ciência com posições ideológicas – cujos fundamentos próprios podem ser utilizados por quem deseja fazer a sua defesa – é coisa típica do mau-caratismo que permeia a personalidade de determinadas figuras da política acreana.

Ressalte-se, nesse ponto, a incoerência de um governo que tem em sua estrutura administrativa o extinto – e recriado – Instituto de Mudanças Climáticas (IMC) se dando ao trabalho de promover um evento como este, em co-realização com o gabinete do senador da República Márcio Bittar (MDB-AC), um dos líderes da “Bancada da Motosserra” no Congresso Nacional, que nega as mudanças climáticas para sustentar, dentre outros absurdos, o fim da reserva legal nas propriedades privadas da Amazônia.

É incoerente também tal postura em sendo o governador do Acre um membro da Força Tarefa dos Governadores para o Clima e Floresta (GCF Task Force) e, consequentemente, signatário da “Declaração de Rio Branco”, que estabelece compromissos de combate ao desmatamento ilegal zero e de mitigação das mudanças climáticas. O mesmo governador que, em setembro desse ano, estava participando da “Semana do Clima”, da ONU, em Nova Iorque.

Ademais disso é irresponsável, para um governo que recebe recursos de um programa como o REDD+/REM e que foi pioneiro na aprovação de uma lei de criação de um avançado e internacionalmente reconhecido Sistema de Incentivo à Serviços Ambientais (SISA), se arriscar a jogar dinheiro fora com o apoio a esse tipo de pauta. O banco alemão KfW, um dos financiadores de políticas ambientais no Acre, questionou o apoio do IMC a esse evento.

Ao professor, detentor de tantos títulos acadêmicos, vai um conselho: estude um pouco mais de epistemologia. Uma boa dose de Thomas Kuhn, de Gaston Bachelard, de Edgar Morin farão bem para ensiná-lo a empregar o rigor do método científico em suas pesquisas, conhecer a floresta, seus povos e tentar encontrar algum fundamento de validade às suas absurdas teorias conspiratórias.

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