Por Beatriz Santos | Copa FemiNINJA

Barreira, cartão vermelho, impedimento, escanteio, cobrança são apenas algumas das palavras que fazem parte do cotidiano de qualquer pessoa inserida no mundo do futebol, seja por motivos profissionais, por entretenimento ou ambos. Mas a história que tenho para contar vai muito além do simples uso em uma partida de um campeonato qualquer, pois quero falar da barreira do preconceito, que toda mulher tem que derrubar quando foge do clichê do brincar de boneca/casinha para poder jogar bola na rua. Quero falar também do cartão vermelho, que Getúlio Vargas decretou ao impedir as mulheres de praticarem esportes. Isso fez com que a história desportiva das mulheres ficasse por anos de escanteio, de lado, e hoje, enquanto as mulheres lutam para escreverem uma bela história, elas precisam ainda ouvir cobranças de homens que não conseguem aceitar que o futebol não tem só um jeito de jogar. Então, vamos “Jogar como garotas?”

Se você for procurar no Google: Qual foi a primeira partida de futebol no Brasil? De cara, vai aparecer o ano, quais eram os times, quanto foi o placar e quem fez os gols. Se não der todas essas informações vai chegar bem perto, ou até mesmo vai dar mais de uma versão para o acontecimento. Fato é que vai ser bem tranquilo ter suas dúvidas sanadas, mas o que mais me deixa indignada é que o que vai aparecer será com certeza uma informação do futebol masculino. É pior ainda para encontrar sobre a história do futebol feminino no Brasil, vai demandar um bom tempo do seu dia. E mesmo com todo o tempo do mundo, eu te garanto que você ainda não vai conseguir saciar todas as suas curiosidades, pois mesmo após ler artigos acadêmicos, as informações estão bem nas sombras do conhecimento da história desportiva brasileira.

Se hoje, o futebol feminino brasileiro está bem atrasado com relação a países como Estados Unidos, Alemanha e França, isso se dá por que até pouco tempo as mulheres eram proibidas de praticar esportes, entre eles o futebol. Durante o Estado Novo, no governo Vargas (1937-1945), foi criado o decreto 3.199 em 1941, que proibia às mulheres a prática de esportes considerados incompatíveis com as condições biológicas femininas,  e dentre os esportes proibidos estavam, além do futebol, halterofilismo, beisebol e todas as modalidades de luta.

Na época, o discurso que mais se ouvia era o de que praticar atividades físicas, como o futebol, poderia deformar o corpo da mulher e trazer possíveis complicações quando fosse engravidar. Traduzindo, a mulher era apenas um órgão reprodutor, alguém sem desejos próprios, alguém com um único propósito dar um herdeiro para a sociedade. Nada mais normal, do que em uma sociedade patriarcal, esse discurso ser repetido para que os interesses do status quo fosse resguardado. Esse decreto só foi revogado 38 anos mais tarde, no ano de 1979 e o futebol feminino foi regulamentado quatros anos mais tarde, em 1983.

No artigo, “As narrativas sobre o futebol feminino: O discurso da mídia impressa em campo”, as autoras contam que durante as décadas de 70 e início de 1980, o futebol feminino começa a ganhar seu espaço na mídia, mas com uma abordagem totalmente preconceituosa, como essa manchete: O futebol depois da louça lavada. O texto também relata que os times de futebol de praia da época reuniam as garotas de classe média do bairro de Copacabana. Elas tinham como público seus namorados e tinham como companheiras de futebol suas empregadas domésticas, que depois do trabalho, se juntavam para bater bola.

Nos anos 80 e 90, as mulheres passam a poder praticar esportes legalmente e é também nesse período que a mídia esportiva trabalha na desmitificação da imagem masculinizada do ser esportista. É partir daí que começa o uso da beleza como um recurso midiático para atrair público ao futebol feminino. Esse discurso estético acabava colocando em dúvida a qualidade técnica das jogadoras.

As jogadoras foram da proibição ao status de produto em questão de pouco tempo e teriam que, como toda mulher, enfrentar o padrão estético social.

Na metade dos anos 90, para ser mais exata em 1995, o Joseph Blatter, que na época era secretário-geral da FIFA, discursou que por volta de 2010 o futebol feminino seria tão importante quanto o futebol masculino. Esse relato se dava por conta do crescimento do futebol feminino pelo mundo, a partir dos anos 80, mas não é o que vemos. Mesmo no mundo, o status do futebol feminino está ainda bem abaixo do masculino seja por visibilidade midiática, seja por ligas, campeonatos ou salários.

No Brasil, se hoje temos um campeonato brasileiro de futebol feminino, é pela obrigação imposta para todos os clubes de futebol da Série A: a exigência feita pela CBF a todos os clubes da principal divisão nacional de manter um time feminino de base e adulto. Como tinham que ter um time feminino para ontem, muitos times fizeram parcerias, por exemplo o Flamengo e Atlético PR, pegando uma estrutura já existente da Marinha do Brasil e do Foz Cataratas, respectivamente, arcando apenas com uniformes e estádio para mandar os jogos. Vale ressaltar, que dos 20 clubes, apenas 4 pagam salários: Santos, Corinthians, Grêmio e Internacional, de acordo com uma pesquisa de uma matéria do Globo Esporte do início do ano.

Chegamos em 2019, pela primeira vez a Copa do Mundo de futebol feminino consegue seu merecido espaço na grade do jornalismo esportivo com a transmissão de todas as partidas da competição. Todos os 52 confrontos serão transmitidos no Sportv, ainda vai ter uma jogada multiplataforma com os jogos da seleção brasileira no globoesporte.com com informações exclusivas do mundial. Terá uma equipe no local, ainda que humilde comparado a cobertura do futebol masculino, composta por Carol Barcellos, Lizandra Trindade, Raphael de Angeli e Guido Nunes.

Anteriormente, a única edição transmitida no Brasil foi a Copa de 2015, o que deixa bem evidente o recente interesse da mídia em dar espaço para o futebol feminino, já que o evento mundial acontece desde de 1991 e somente nos últimos três anos se abriu os olhos para elas.

A seleção brasileira feminina tem em sua história sete conquistas de Copa América, três pan-americanos e seu melhor resultado na Copa do Mundo foi em 2007, quando chegaram pela primeira vez em uma final e perderam para a seleção alemã por 2×0. Além de terem chegado a duas finais olímpicas em 2004 e 2008, conseguindo a medalha de prata em ambas edições. Como destaque da seleção atual e da história temos a Formiga, com mais de 150 participações com a camisa canarinha e a Marta, com 117 em 133 jogos vestindo o manto verde e amarelo. Ah, detalhe Marta foi 6 vezes eleita a maior jogadora do mundo pela FIFA. E só ela foi capaz de tal feito.

Essa é uma parte da história, que ousei contar, da nossa seleção de futebol feminino. De dribles que extrapolam as quatro linhas, pois a partida delas começa assim que acorda.
Jogue, lute, como uma garota!

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