Por Carla Ayres

“Menino veste azul e menina veste rosa”. Foi assim que, no dia 3 de janeiro de 2019, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, deu uma pequena amostra do retrocesso que o Brasil iria enfrentar nos anos seguintes. A escolha das LGBTI+ como o primeiro alvo do governo genocida de Jair Messias Bolsonaro não foi aleatória. A extrema direita precisava dar um recado direto à sociedade: eles não iriam tolerar a diversidade que recém descobrira a importância de ocupar os espaços públicos para garantir os seus direitos e a sua dignidade.

Depois de 21 dias da declaração LGBTIfóbica da ministra, a população LGBTI+ e a esquerda brasileira sofriam mais um duro golpe: Jean Wyllys, deputado federal do PSol reeleito com 24.295 votos para o terceiro mandato pelo Rio de Janeiro, renunciava ao cargo após ele e sua família sofrerem ameaças de morte. O parlamentar deixava o Brasil em condição de exilado político na Europa. Jean não queria ter o mesmo destino de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada junto com seu motorista, Anderson Gomes, pouco mais de um ano antes, pela milícia carioca. Os mandantes do assassinato de Marielle ainda não foram publicamente divulgados, porém, sabe-se que entre os suspeitos estavam vizinhos de condomínio de Jair Messias Bolsonaro.

A renúncia de Jean Wyllys era o prenúncio da tragédia que cairia sobre o Brasil após a ascensão da extrema direita. Os direitos sociais e o estado democrático de direito vêm sendo incessantemente atacados. O povo brasileiro sofre com a fome, com a insegurança alimentar, com a devastação de sua biodiversidade, com os ataques à ciência e às universidades, com a perda de direitos trabalhistas, com o aumento da violência policial, com a carestia dos alimentos e dos combustíveis, com o desmonte das instituições de Estado, com a venda do patrimônio nacional e com o genocídio de sua população tendo a pandemia como instrumento. Enquanto o Brasil caminha para o meio milhão de mortos pela Covid-19, a CPI instaurada no Senado para investigar as ações do governo descobre que a compra de vacinas foi boicotada, enquanto faltavam insumos, anestésicos e bloqueadores musculares, seringas e agulhas e até mesmo oxigênio.

Frente a este cenário sombrio vivido pelo país, uma sucessão de decisões do STF trazia esperança e alento ao Brasil: a Vara Federal de Curitiba era declarada incompetente, primeiro por decisão monocrática do ministro Edson Fachin e depois, por 8 votos a 3, pelo plenário da Suprema Corte. Na sequência, mais uma estrondosa derrota para o lavajatismo, com o reconhecimento, também pelo plenário do STF, da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no processo contra Lula. O ex-presidente estava novamente elegível, o que imediatamente resultou num reordenamento político do país, com Lula assumindo a liderança e disparando em todas as pesquisas de intenção de voto, inclusive com possibilidade de vitória em primeiro turno.

Inocente e disposto a reconstruir o Brasil, Lula arregaçou as mangas e iniciou uma série de diálogos com as principais forças políticas do país. Sua liderança aglutinou forças, jogou por terra a hipótese da terceira via e fez disparar os pedidos de filiação ao PT. Lula personificou a esperança do povo no resgate de um passado em que o Estado combatia a fome e a pobreza extrema, a esperança num Brasil onde o filho da empregada podia entrar na Universidade, onde o sonho da casa própria era uma realidade e não era preciso escolher entre comprar comida ou o botijão de gás. Os brasileiros se voltam cada vez mais à possibilidade de um país que respeite as diferenças, que desenvolva políticas públicas em defesa das minorias e que fomente a participação da população LGBTI+ nos espaços de poder e decisão.

Me filiei ao PT em 2004, com 16 anos na época, e desde então tenho trabalhado para fortalecer a militância e ampliar as vozes LGBTI+ dentro do partido. Foi no PT que minha luta se somou à luta de outros LGBTI+ na busca pela garantia de direitos e por justiça social. Ao longo desse tempo, pudemos ver de perto a forma como nossas pautas têm sido percebidas e incorporadas na agenda do PT em todo o país. Encontramos a possibilidade de nos candidatar, ainda em 2016, ao cargo de vereadora em Florianópolis. Com o slogan “Para tirar temas do armário”, fizemos uma votação expressiva na cidade, que surpreendeu o diretório municipal e nos permitiu assumir a suplência do mandato eleito na cidade. O recado estava dado e quatro anos depois, em 2020, o Mandato Carla Ayres era eleito na capital catarinense.

O anúncio da chegada de Jean Wyllys ao PT, feito na última semana, foi recebido com festa pela imensa militância LGBTI+ que integra o nosso partido. Wyllys representa a luta e a resistência da nossa comunidade, é uma liderança nata, que sabe a importância de ocupar os espaços de poder para garantir direitos e fortalecer a democracia. Jean Wyllys é mais uma estrela que vai ampliar as vozes da diversidade no nosso partido. É chegada a hora de devolver o Brasil para o seu povo, de fomentar o respeito às diferenças e enxergar nelas o nosso maior potencial de crescimento. Ao lado de Jean Wyllys e de Lula, vamos retomar o caminho da democracia, do fortalecimento institucional, dos investimentos públicos, das políticas voltadas à justiça social, da ciência como norteadora das decisões, da diversidade como eixo de governo. Nós, LGBTI+, precisamos nos mobilizar desde já, buscar nas instâncias partidárias o nosso espaço de luta e contribuir de forma efetiva para a reconstrução do Brasil.

Fomos duramente atacadas por Bolsonaro e sua turba nos últimos anos, contudo, se por um lado o fundamentalismo e os ataques às pautas progressistas e dos direitos humanos protagonizaram a derrocada democrática no país; por outro, somente a centralidade (e não a omissão) deste debate da diversidade sexual e de gênero, do combate ao racismo, anti-proibiciobista, feminista (etc), associado à defesa da soberania nacional e ao enfrentamento ao neoliberalismo, poderá resgatar a democracia.

O desafio está dado. Os caminhos abertos.

Estamos dispostos a isso e Jean está conosco!

Mandato Carla Ayres – Liderado pela Vereadora do PT em Florianópolis-SC,  Carla Ayres, lésbica, feminista, anti-proibicionista. Carla tem 33 anos, é filiada ao PT há 17 anos, e é Dra em Sociologia Política pela UFSC, primeira mulher eleita pela PT em Florianópolis, e primeira lésbica a se eleger na cidade.

 

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