Por Orlando Silva

O novo coronavírus já ultrapassou as 100 mil pessoas contaminadas e ceifou as vidas de mais de 7 mil brasileiros e brasileiras, de acordo com os números do início da semana. É consenso, porém, que esses dados são defasados, em virtude da não testagem em massa e da consequente subnotificação, tanto que crescem as mortes por problemas respiratórios não identificados em diversas localidades.

À medida que o vírus avança para as periferias das grandes cidades, vai se delineando um quadro alarmante de contágio e de óbitos. Manter a obediência ao isolamento social, medida cientificamente recomendada como a mais eficaz para a contenção, passa a ser um desafio para as autoridades, seja porque os mais pobres necessitam recompor seus rendimentos ou porque milhões de famílias moram em situações precárias.

Um levantamento publicado pela Folha de São Paulo mostra que a quarentena entre os jovens é 7 vezes maior nos distritos mais ricos da capital paulista do que nos mais pobres. A taxa de letalidade do vírus também é superior entre os de menor renda, como concluiu estudo da Secretaria Municipal de Saúde divulgado em abril. À época, a Brasilândia tinha 89 casos confirmados, mas 54 mortes decorrentes ou suspeitas de coronavírus, ao passo que o Morumbi tinha 297 infectados e 7 óbitos.

O último mapeamento da prefeitura de São Paulo mostrou que os distritos com maior quantidade de mortos pelo COVID-19 são justamente aqueles que concentram muitas favelas, cortiços e conjuntos habitacionais. Há também um recorte racial entre os mortos, como há entre os pobres das periferias da cidade: os negros têm 62% mais chance de falecimento pela doença do que os brancos. O quadro retratado é paulistano, mas seguramente é similar ao de outras capitais do país.

Diante disso, apresentei o Projeto de Lei 2176/2020, na Câmara dos Deputados, para unificar a fila de acesso a internações nas Unidades de Terapia Intensiva, sejam leitos da rede pública ou particular, sob a coordenação do Sistema Único de Saúde, enquanto durar a pandemia. Os critérios observados para a disponibilização das vagas seriam a gravidade do paciente e a ordem cronológica da entrada na fila.

A medida é necessária e urgente, uma vez que o elevado índice de mortes entre os mais pobres é porque estes não têm conseguido acesso ao atendimento que a doença exige por não terem plano de saúde nem como pagar pela internação hospitalar. A proposta, portanto, visa racionalizar e permitir o acesso à saúde para todos, em igualdade de condições e de acordo com a urgência.

O Brasil tem algo próximo de 50 mil leitos de UTI, sendo que um pouco menos da metade deles são públicos. Segundo o Ministério da Saúde, o país tinha cerca de 23 mil leitos de UTI adulto e pediátrico nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) no início deste ano.

Essa realidade tem feito com que o SUS, muito mais procurado, entre em colapso em diversos estados e municípios, projetando um estresse ainda maior para as próximas semanas. Mais uma vez, os exemplos de São Paulo são eloquentes: nos primeiros dias de maio, a lotação na rede hospitalar municipal chegou a 82% e os leitos da rede estadual a 88% de ocupação, segundo dados das secretarias.

Porém, muitas vezes, vagas na rede particular ainda estão disponíveis. Adelvânio Francisco Morato, presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), afirmou, em reportagem da Folha, que a ociosidade média nos leitos de UTI do sistema privado chega até a 50%. No entanto, há uma injustificável inoperância do governo federal em criar soluções que levem em conta essa oferta extra, enquanto se dirige um esforço de expansão da rede pública.

A instalação da fila única para internação nas UTIs não seria algo inédito, é experiência já realizada em outros países, como Itália, Espanha, Irlanda e Chile, por exemplo. Além disso, é mais econômico e racional utilizar a capacidade já instalada na rede privada, pois o custo para implantação de um novo leito, segundo especialistas, fica na faixa de R$ 180 mil, além dos gastos de custeio com pessoal e insumos.

A Constituição Federal eleva a saúde à condição de direito fundamental, coletivo, que deve assistir a todos como dever do Estado, o que significa dizer que em situações extremas o poder público precisa agir para garantir a materialização de sua proteção, sem o que o texto constitucional vira letra morta. Não por outro motivo, a lei 13.979/2020, que estabelece as medidas a serem tomadas durante a emergência nacional de saúde pública, autoriza, em seu inciso VII do artigo 3º, a requisição de bens e serviços, garantindo o pagamento posterior da justa indenização. A previsão existe, falta fazer!

Não é demais lembrar que quando falamos em vagas para internação em UTIs estamos falando da vida ou da morte de brasileiros. Não podemos naturalizar uma espécie de darwinismo econômico durante a pandemia, segundo o qual só quem pode pagar sobrevive. A fila única nas UTIs é um ato em defesa da vida – e vidas não têm preço!

Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP

Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP

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