Por Alexandre Santini*

O ano começa com o aumento exponencial de casos de Covid-19 e o recrudescimento da pandemia devido à variante Ômicron. E mais uma vez, os efeitos da crise sanitária se fazem sentir, e de forma mais dura, na dinâmica de funcionamento do setor cultural no Brasil.

O cancelamento e a suspensão do carnaval de rua em diversas cidades do país é apenas a ponta do iceberg: o adiamento de eventos, festivais e temporadas; dificuldade em manter ou realizar planejamentos e programações; alteração de cronogramas dos projetos em execução. Um ambiente de incertezas que amplifica os problemas de um segmento que, para além da pandemia, padece de vulnerabilidades estruturais e da ausência de políticas públicas que garantam a sua manutenção em contextos de crise sistêmica.

O setor da cultura, tendo sido o primeiro a interromper as suas atividades, e um dos últimos que vinha conseguindo retomar o seu funcionamento, sofre mais uma forte reversão de expectativa neste início de 2022. Dados do Observatório Itaú Cultural estimam que pelo menos 870 mil postos de trabalho foram eliminados na cadeia produtiva da cultura durante o período mais crítico da pandemia. A nova onda de cancelamentos prolonga a instabilidade e impede uma retomada plena das atividades de um setor que, nos últimos meses de 2021, parecia estar vendo a luz no fim do túnel.

É preciso destacar a postura responsável da maior parte dos artistas, produtores, e realizadores culturais que, mesmo acumulando dívidas e prejuízos ao longo de quase 2 anos, vinham buscando promover uma retomada segura e responsável, incentivando a adesão à vacina, seguindo os protocolos sanitários e adaptando projetos a formatos virtuais ou híbridos.

Cabe ressaltar a ação de gestores de cultura estaduais e municipais que, amparados ou não nos recursos da Lei Aldir Blanc, buscaram criar mecanismos para a mitigação dos impactos econômicos e sociais da prolongada interrupção das atividades culturais. O Congresso Nacional também vem cumprindo seu papel, e apesar da política cultural negacionista do governo federal, tem colocado em pauta Projetos de Lei que visam garantir novos instrumentos emergenciais e perenes para um financiamento direto e descentralizado do setor cultural, como é o caso do PLP 73/2021 (Lei Paulo Gustavo) e do PL 1518/2021 (Lei Aldir Blanc 2).

Após 2 anos de convivência com o coronavírus, sabemos que as vacinas funcionam (inclusive nas crianças!), que protocolos sanitários são eficientes e que a testagem em massa ajuda a prevenir e a garantir o funcionamento de serviços e atividades consideradas essenciais. Todo este conhecimento acumulado pode e deve ser empregado para que se garanta uma retomada segura e responsável do setor cultural.

Chegamos a 2022 novamente em ESTADO DE EMERGÊNCIA CULTURAL. Não é mais possível que existam apenas medidas restritivas, cancelamentos e interrupções das atividades culturais, sem que estas sejam acompanhadas de políticas de mitigação de problemas e redução de danos para a cadeia produtiva da cultura. É preciso construir um sistema de proteção social para trabalhadores e trabalhadoras da cultura no Brasil, que em sua grande maioria atuam de forma autônoma e na informalidade.

O ESTADO DE EMERGÊNCIA CULTURAL deve significar também a retomada de uma mobilização nacional do setor, pela aprovação das pautas de interesse da cultura no Congresso Nacional, pelo investimento em proteção social e em políticas públicas de fomento em larga escala de forma descentralizada. E finalmente, por um reencontro do Brasil consigo mesmo, em um horizonte civilizatório onde a cultura seja um vetor estratégico e estruturante de um novo projeto nacional de desenvolvimento mais justo, sustentável, humano e democrático. Cultura é um direito!

Alexandre Santini é gestor cultural, comunicador e escritor, atualmente Subsecretário das Culturas de Niterói (RJ). Integrante da Articulação Nacional de Emergência Cultural e docente da Escola de Políticas Culturais.

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