Ilustração: Shantanu Sharma

Quantas referências sobre o racismo você já conseguiu captar no novo clipe de Donald Glover, vulgo Childish Gambino? Em menos de dois dias após lançado “This is America”, as redes não paravam de apontar as inúmeras mensagens subliminares – outras nem tanto assim – contidas em momentos diversos do vídeo. Mas, vejamos, foram elas que te fizeram vidrar nas stories, nos trechos, no ritmo e no som de This is America?

O clipe é a típica narrativa transmídia, daquelas que não se encerram nelas mesmas. Cheia de hiperlinks, te permite navegar por uma linha histórica que nos conta o racismo que estruturou o crescimento de uma superpotência. Esta é a América. Uma aba no vídeo, outra no google, hoje podem ser mais complexos os caminhos que fazem artistas de fato penetrar o subconsciente da plateia, independente de “mensagem”, sem precisar explicar nada.

Donald Glover, em This is America e em vários de seus trabalhos, faz isso com maestria. Podíamos, sim, traduzir aqui alguns dos estereótipos performados por Bino, como chamamos os fãs, ou quais os elementos que se fizeram presentes ao redor de sua dança. As leituras são tão diversas que não é difícil encontrar algumas estapafúrdias. Houve quem compreendesse uma crítica à militância virtual nos jovens encapuzados e celular na mão da sacada dos acontecimentos cruéis da violência cotidiana. “This is a celly. That’s a tool”, midialivristas como nós, obviamente não há como não explorar outras interpretações.

Mas voltemos à experiência. Esqueça as referências. O susto que tomamos no primeiro tiro disparado, a virada brusca de ritmo, aquele murmúrio “que foda!” que exclamamos antes de abrir as abas, são sinais que falam mais sobre o clipe que suas “mensagens”. Donald Glover sabe bem convocar as experiências mais sensíveis, seja na música ou em diversas de suas cartas como ator, escritor, diretor e comediante.

A primeira vez em que me deparei com o som de Bino foi pelo groove arrastado de Redbone, não faz tempo. Na TV, a sua performance até lembrava a que fez no Saturday Night Live no dia em que lançou This is America. Em Redbone, também de pés descalços e sem camisa, já remetia ao corpo escravo sem máscaras da modernidade pop. Quanto racismo se pode ver no desejo que sentimos pelo corpo nu de um homem negro, viril e sexualizado? Um corpo a ser dominado, à deriva, tal como sensualiza também em This is America.

Pouco se resenhou, entretanto, sobre estes trabalhos anteriores de Childish Gambino, apesar de tantos prêmios acumulados. “Não consigo explicar, só sentir”. O valor de This is America está justamente nas referências que se buscam em nossa própria experiência, especialmente quem vive no contexto de uma América racista e violenta. Mas, vejamos, talvez nosso choque tenha tido seu valor justamente pela realidade que nos toca tão perto de nós, um país que mata um jovem negro a cada 23 minutos. Este é o Brasil.

Mesmo que um pouco de história e referências não nos faça mal, vale buscar em nosso imaginário, nos vasto campo de nossa própria experiência como oprimidos ou opressores, quais os sinais de racismo encontramos naquela obra-prima. Certamente uma das melhores do ano.

 

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