Arte: Mídia NINJA

As últimas semanas ajudaram a deixar cristalino o momento do Brasil. Ocupando de forma ilegítima a presidência, Temer segue implantando um programa de pilhagem das riquezas brasileiras, agora com o anúncio do fim da reserva nacional do cobre e associados (Renca) e a privatização de 57 empresas e projetos estatais, entre elas a Eletrobras, a Casa da Moeda e o aeroporto de Congonhas. O PMDB opera no governo o patrimonialismo mais grosseiro.

Do outro lado do espectro, em caravana pelo Nordeste, Lula tem atraído multidões, e busca provocar, com este giro, uma mudança no clima político – superar o clima de desilusão e provocar o povo a sonhar de novo. Ao mesmo tempo, Lula não deixa margem para os limites do sonho: no meio da caminhada, disse que Dilma errou ao não ter convidado Henrique Meirelles (atual ministro da Fazenda de Temer) para seu governo. Dias depois, participou de palanque junto com Renan Calheiros em Alagoas, e disse que aliança política continua necessária e que Renan o ajudou a governar o país. As contradições se apresentam sem mediações.

Tudo isso ocorre no mês seguinte à aprovação da reforma trabalhista, à condenação de Lula sem provas, à derrubada do afastamento de Aécio Neves e à não aceitação, pela Câmara, do processo que investigaria Michel Temer. Não há nenhuma forma de explicar essa sucessão de fatos que não passe pela força dos interesses de classe ao organizar a dinâmica política do país. Para quem tinha dúvidas do valor da luta de classes como categoria explicativa para a realidade política do país, os últimos anos não podiam ser mais ilustrativos.

Neste momento, este processo se acirra a partir de disputas e contradições concretas. De um lado, toda a classe dominante do país se junta para realizar o último movimento do golpe, ou seja, a retirada de Lula do pleito de 2018 e da política institucional. De outro, Lula busca retomar contato com o povo e criar condições para uma candidatura de caráter popular – permeada por valores de esquerda, mas sem se caracterizar necessariamente por um enfrentamento direto às desigualdades que estruturam a dominação no país.

As falas de Lula reabriram na esquerda o debate sobre as razões da derrocada do governo de Dilma e as lições que ficam para 2018. O erro foi ampliar demais o arco de alianças e perder identidade programática ou foi se isolar politicamente e cuidar mal das alianças estabelecidas? O projeto petista em 2018 deve buscar mais conciliação ou menos conciliação? Existem frações da burguesia dispostas a se aliar a Lula? Se existem, o que essas frações agregam eleitoralmente?

Não arrisco uma resposta simplista. Tendo a achar que precisaremos buscar alianças, mas precisamos nos perguntar se elas ampliam ou restringem o alcance do projeto e a viabilidade eleitoral. O mais difícil nesta conjuntura é conseguir dar densidade à análise política, discutir o projeto estratégico de médio prazo e tratar 2018 como etapa importante de uma caminhada, não como solução imediata de nossos problemas. De um lado, está claro que quanto mais diluído ideologicamente estiver o projeto de esquerda, menor capacidade ele terá de mobilizar afetos e desejos fundamentais para um projeto de transformação do país. De outro, se ele não conseguir amplitude e não lutar para ter viabilidade eleitoral, amargará uma derrota enorme, que é o isolamento e a perda de importância relativa no espectro político.

Independentemente das escolhas, não podemos perder a referência do momento histórico em que estamos. Mesmo com a avalanche reacionária que se materializou no golpe, devemos nos permitir sonhar. O projeto que ganhou as quatro últimas eleições presidenciais tem claro perfil de esquerda, mesmo que esta palavra não tenha comparecido assiduamente nas campanhas e que a implantação deste projeto tenha sido mediada por tantas contradições – sejam elas fruto da correlação de forças desfavorável ou propriamente de escolhas políticas conservadoras. Em 2018, se nenhum semi-parlamentarismo for tirado da cartola, o povo será consultado oficialmente pela primeira vez desde 2014 sobre quem deve ocupar a presidência do país, e com qual projeto. Não está claro, todavia, se será um processo de escolha soberano e democrático.

Afinal, se há elementos suficientes para nos permitir sonhar, há ainda mais para não nos permitir ilusões. O golpe de 2016 foi a retomada das rédeas do país pelas elites puro-sangue, pelo patrimonialismo explícito, pelo projeto conservador que une desde o capital financeiro até as velhas oligarquias – mesmo que nenhum deles estivesse totalmente desprotegido pelos governos petistas. Daqui até 2018, qualquer sinal de força de um projeto progressista será seguido de ações arbitrárias para impedir que ele tenha condições de chegar ao poder. Não tenhamos dúvidas de que vamos viver níveis elevados de tensão e que o golpe terá valido pouco para eles se Lula for opção viável nas próximas eleições.

Enquanto a implantação do projeto reacionário depende apenas do apoio do Congresso e da grande mídia, medidas impopulares são aprovadas facilmente, ainda mais em um momento de letargia provocada pela ressaca da crise política que já se arrasta por três ou quatro anos. Contudo, na campanha, aqueles que representam o projeto reacionário terão de sair às ruas e defender publicamente sua visão contrária aos direitos sociais. E não vai ser fácil. Se é verdade que o povo está quieto, também é verdade que ele observa com atenção.

Pesquisa Ipsos publicada dia 26 de agosto mostra que Temer tem desaprovação de 93% e aprovação de 3%, Aécio tem 91% e 3% e Alckmin tem 73% e 14%. Dória se salva com 52% e 19%, enquanto Lula tem 66% e 32%, o que só o coloca atrás de Luciano Huck em aprovação entre os nomes pesquisados (a propósito, Renan Calheiros tem 84% de desaprovação e 1% de aprovação, o que deve fazer Lula perguntar se é um aliado que vale a pena). Neste momento de suspensão da democracia, estes números são apenas números. Se as eleições de 2018 forem pra valer, eles voltam a contar para a definição de rumos do país.

Por fim, para os que acreditam que o país não deveria seguir na polarização que hoje se expressa na tensão entre os setores golpistas e o lulismo, segue aberto o campo para estabelecer outras referências. Mas os últimos 20 anos mostram que esta tarefa não é fácil. O povo tem entendido a disputa sobre o Estado – mais protetivo ao povo ou mais garantidor das elites – como a contradição principal que orienta a luta política. Nos últimos anos, ouviu-se muito que a diferença entre os projetos era mais retórica política que prática efetiva.

Pois os últimos 15 meses mostraram que a diferença prática efetiva é abissal. Neste momento, já não se trata de diferenças sobre o projeto de futuro; é o presente do Brasil que está em jogo.

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